Aprovado pelos deputados estaduais gaúchos na terça-feira (8), o projeto de lei que autoriza a prática do ensino domiciliar no Estado, conhecida como homeschooling, é considerado inconstitucional pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS). Para se tornar lei, a proposta de autoria do deputado estadual Fábio Ostermann (Novo) precisa passar pelo crivo do governador Eduardo Leite, que irá decidir se vai vetá-la ou sancioná-la até 1º de julho.
A promotora de Justiça Luciana Cano Casarotto, que coordena o Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões, reuniu-se na quinta-feira (10) com o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, para falar, entre outros assuntos, sobre a aprovação do projeto de lei que trata do homeschooling. A ideia foi apresentar ao governo os motivos da contrariedade do MP/RS com a proposta, para que o governador tome sua decisão “com sabedoria”.
— Os defensores do projeto entendem que, como não há uma regulamentação federal para o ensino domiciliar, os Estados estão autorizados a legislar sobre o tema, mas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação deixa clara a necessidade de matricular em escolas as crianças, a partir dos quatro anos. Se houver regulamentação pelo Congresso Nacional, ok, mas na Assembleia Legislativa nos parece inconstitucional — destaca Luciana.
Se sancionada a lei, a Procuradoria-Geral de Justiça fará a análise da sua constitucionalidade. Na opinião da promotora, o contexto da pandemia gera a demanda de que as instituições se unam para fortalecer a escola, resgatando a convivência comunitária, para promover um desenvolvimento integral da criança e do adolescente.
— Esse projeto, em um momento como este, é ainda mais cruel. Temos limitações de contratações de pessoas, limitações orçamentárias e todo um recurso que poderia ir para a educação pública iria para outros fins, de regulamentar o homeschooling — pontua.
A promotora lembra que as Promotorias de Justiça Regionais de Educação (Preducs) já manifestaram contrariedade à liberação do ensino domiciliar. Em setembro de 2020, um documento produzido pelo Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd-RS) apresentou contrapontos ao projeto de lei. O Grupo de Estudos e Debates Permanente do Regime de Colaboração, que produziu o estudo, é composto pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc-RS), a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme-RS) e, como convidados, a Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS). O CEEd-RS também elaborou um parecer contrário à proposta.
Entenda o projeto
O projeto de lei 170/2019 autoriza que crianças e adolescentes em idade escolar sejam educados por meio de ensino domiciliar, por um pai tutor. Conforme o texto de Ostermann, a ideia é que a criança ou o adolescente seja matriculado em uma instituição de ensino a distância ou em instituição de apoio à educação domiciliar, que receberá registros das atividades pedagógicas. Se a lei for sancionada, esses estudantes serão avaliados em exames supletivos.
A proposta foi aprovada por 28 votos favoráveis e teve 21 contrários. O Rio Grande do Sul é o primeiro Estado e a segunda unidade federativa a aprovar uma lei que regulamenta a prática — o Distrito Federal havia aprovado um projeto semelhante no ano passado.
Caso Leite vete o projeto, o texto volta para a Assembleia Legislativa, que pode aprová-lo novamente e, assim, derrubar o veto. Há, ainda, uma terceira opção: o governador não se pronunciar a respeito. Nessas situações, a lei é automaticamente sancionada após o prazo de 15 dias úteis de sua aprovação no Legislativo.
Há entre os juristas um debate sobre se a prática do homeschooling é constitucional ou não. Questionado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2018, em recurso extraordinário, que não poderia julgar a constitucionalidade do tema, uma vez que nenhuma lei brasileira regulamentava o ensino domiciliar.