A proposta do governo do Estado de retomar o ensino presencial no Rio Grande do Sul a partir do próximo dia 8 é vista com ressalvas por especialistas em educação. A avaliação é que a decisão não é necessariamente segura e ainda ignora os desafios pedagógicos e estruturais de instituições de ensino. A sugestão apresentada pelo governo gaúcho de iniciar a reabertura pela educação infantil — em tese, envolvendo um público cujo respeito ao distanciamento e uso de máscaras é mais difícil — também soa estranha aos especialistas. O plano do governo será detalhado ainda nesta terça (1º).
Marcia Andrea Schmidt da Silva, diretora do Colégio Leonardo da Vinci e professora da Escola de Humanidades da PUCRS, afirma que, tecnicamente, as escolas particulares estão preparadas para a volta às aulas presenciais, pois foram incorporados protocolos médicos e adquiridos materiais de higiene e proteção individual. No entanto, receia que nem todas as variáveis que envolvem o retorno dos alunos tenham sido levadas em consideração pelo governo do Estado ao propor o cronograma.
— Acho que não está sendo levado em conta tudo o que envolve o ambiente de educação. Por exemplo, como será feita a adaptação pedagógica para este retorno, como será a readaptação das habilidades e a adaptação de professores e alunos a uma escola que passará por mudanças — afirma.
Este processo, que leva em conta mais do que a questão sanitária, mas também pedagógica, tende a ficar mais complicado com o risco de mudanças constantes nos cronogramas, que trazem o risco de escolas terem de fechar novamente em algumas semanas. Pelo projeto estadual, regiões com bandeira vermelha não poderiam ter aulas presenciais — ou seja, há o risco de um novo fechamento nas escolas que abrirem.
— Isso gera incerteza e causa um problema de ansiedade aos alunos — avalia Marcia.
Ela também questiona a escola por começar a reabertura pela educação infantil. Uma de suas críticas é a falta de planejamento para a adaptação de crianças abaixo de cinco anos ao ambiente escolar, após ficarem cinco meses e meio com os pais. Além disso, vê dificuldades em se garantir o distanciamento e o uso de máscaras entre os pequenos.
— É meio sem sentido começar pela educação infantil. Como você faz o afastamento de crianças na escola? Elas se abraçam, tocam nas máscaras. Isso é arriscado não apenas para elas, mas para professores e familiares que convivem com os pequenos. Então mesmo as escolas estando com o aparato de proteção, não quer dizer que o retorno da educação infantil seja a melhor alternativa pedagógica, afetiva ou sanitária — afirma.
Maria Beatriz Luce, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que a retomada às aulas é um dos temas mais difíceis em discussão em todo o mundo, inclusive em países que tiveram o pico da pandemia bem antes do Brasil. Para ela, a decisão não deveria se limitar a uma simples definição de datas, mas sim de mudanças estruturais importantes a serem feitas nas instituições.
— Somos muito pouco conhecedores das condições que nos permitem voltar às escolas. Me causa muita preocupação deixar essas decisões apenas a cargo do poder executivo municipal. Essas são decisões educacionais, nas quais o Estado e a União têm uma função constitucional — defende — A educação tem detalhes de organização do sistema que requerem alguma política nacional, políticas estaduais e municipais junto com políticas institucionais, as decisões de cada escola ou universidade — reforça.
Um dos primeiros aspectos a ser considerado é a condição física das instituições. Para garantir o cumprimento do distanciamento, é preciso mais espaço, por exemplo. Dessa forma, também há a necessidade de mais professores e funcionários. Além disso, o debate não pode ignorar os municípios pequenos, onde há uma grande circulação de pessoas.
— Alguns municípios estão com bons indicadores de saúde e que permitiriam fazer reabertura, mas não se pode ignorar que exatamente nas cidades pequenas as pessoas se deslocam muito regionalmente. Inclusive professores e alunos. É um dado que não pode ser ignorado. Professores dão aula em dois ou três municípios e podem ser vetores de transmissão — lembra.
Maria Beatriz também ressalta que a falta de conhecimento sobre os indicadores que permitiriam uma retomada faz com que as decisões sejam mais subjetivas do que objetivas.
— As experiências são poucas. Não se tem conhecimento de sistematização sobre isso. A opinião dos epidemiologistas tem feito a gente ter muita cautela e achar que é cedo para as condições aqui do Estado— diz.
*Colaborou Erik Farina