Um movimento surgido no Twitter nesta semana para denunciar pessoas que teriam fraudado o sistema de cotas em universidades públicas aponta para pessoas que supostamente seriam alunas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O movimento, que ganhou corpo com as manifestações antirracistas nos Estados Unidos, tem se alastrado por diferentes perfis na rede social.
Na quarta-feira (3), um perfil chamado "Fraudadores Cota" foi criado para reunir as denúncias, e já havia passado de 100 mil seguidores nas primeiras horas. Nesta quinta-feira (4), entretanto, a conta estava fora do ar. A reportagem contatou o Twitter para verificar se o perfil havia sido removido e aguarda uma resposta.
Um dos alvos conhecidos das denúncias foi a influenciadora digital Larissa Busch, 24 anos. Postagens apontaram que ela teria fraudado o sistema de cota racial na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ao ingressar no curso de comunicação social, em 2014. Na última terça-feira (2), ela admitiu o erro em sua conta pelo Instagram, dizendo ter sido a "pior escolha" da sua vida.
Nos dias que sucederam, dezenas de perfis surgiram para agrupar por Estados ou universidades os apontamentos de estudantes que haviam se declarado pretos, pardos ou indígenas, mas que não se encaixam no sistema. Alguns internautas reclamaram estar sendo perseguidos injustamente ou terem sido vítimas de engano.
Em um dos perfis mais movimentados, o da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), um dos posts mais compartilhados era de um rapaz dizendo ter sido confundido com alguém que supostamente havia fraudado as cotas, e então exposto no Twitter. A mensagem, em tom de preocupação, havia sido retuitada 102 vezes.
A conta de denúncias da UFJF também havia saído do ar nesta quinta-feira. Algumas das poucas contas de denúncias ainda ativas eram a de universidades públicas de Pernambuco e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Nas denúncias de supostas fraudes na universidade gaúcha, os suspeitos eram apresentados pelo nome inteiro, com links de suas redes sociais, fotos e o documento de matrícula ou classificação com a indicação das cotas. A universidade informou, nesta sexta-feira (5), que irá apurar as denúncias. "A Universidade vai apurar as novas denúncias com absoluta seriedade e agilidade, como sempre o fez em situações análogas. Para tanto, a UFPel deliberou, na tarde de ontem, a constituição de comissão específica, a fim de investigar essas novas denúncias e propor a adoção das providências que se fizerem necessárias", diz a nota.
A advogada criminalista Sylvia Urquiza pondera que a divulgação de perfis como "fraudadores de cotas" pode ser considerada crime contra a honra, como calúnia, caso não consigam comprovar a efetiva fraude, ou difamação.
— Quem retuíta, sabendo falsa a imputação, também pode responder pelo mesmo crime. No entanto, a calúnia, ao contrário dos crimes de difamação e injúria, admite o que se chama de exceção da verdade, ou seja, quem expôs a fraude pode provar que os fatos são verdadeiros. A calúnia distingue-se da difamação e da injúria por ofender a honra imputando fato que é criminoso. Mas não basta simplesmente ser uma afirmação genérica como, por exemplo, dizer que a pessoa é fraudadora. Ao contrário, deve-se esclarecer como e quando aquele ato criminoso foi cometido, com um mínimo de detalhe, o que me parece ser o caso descrito — afirma a advogada.
Ela esclarece que a melhor forma de denunciar eventuais fraudes em cotas é comunicando as autoridades competentes para isso.
— Sem dúvida que o melhor caminho é buscar as autoridades para fazer uma denúncia de crime. Porém, se os fatos expostos forem verdadeiros, a calúnia permite a prova da verdade como meio de defesa. Já a difamação e a injúria não permitem esse tipo de prova. Por exemplo, se alguém tuitar uma ofensa chamando outro de ladrão (difamação contra a honra objetiva) e imbecil (injuria contra a honra subjetiva), ainda que seja verdade, cometeu os crimes contra a honra. Veja que esses crimes, para que sejam configurados, precisam chegar ao conhecimento de terceiros por ação do ofensor. Não há crime contra honra em troca de mensagens privadas. Se a divulgação da ofensa for feita por meio que permita o conhecimento de muitas pessoas, como o Twitter, o crime é agravado, aumentando-se a pena — explica.
Veja o que diz a UFPel
"Nota da Gestão: A equidade racial importa
Com relação às novas denúncias de fraude no ingresso por cotas na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que vieram ao nosso conhecimento nessa semana, a administração da UFPel vem apresentar as seguintes informações:
1. As políticas de cotas raciais, de caráter reparatório, são essenciais para promover a equidade racial no Brasil. Na UFPel, além das políticas nacionais de cotas para a graduação e para o acesso de servidores, aprovamos em 2017 um inédito programa de acesso afirmativo para todos os programas de pós-graduação da instituição.
2. A UFPel já tratou, em outra ocasião, responsavelmente, de denúncias contra o sistema de cotas. Ao final de 2016, uma denúncia amplamente noticiada resultou no cancelamento da matrícula de estudantes de Medicina, cujas vagas foram em 2017 repostas por sujeitos de direito do sistema de cotas raciais, quando a UFPel passou a adotar adequadas formas de heteroidentificação.
3. O trabalho da UFPel desenvolvido nos processos de heteroidentificação recebeu destaque e baseou o trabalho de diversas outras instituições no país. Em 2018, a UFPel confirmou seu protagonismo na pauta, ao propor e sediar o I Encontro Nacional de Comissões de Heteroidentificação: Desafios e Perspectivas das Ações Afirmativas nas Universidades Brasileiras.
Com base nesse acúmulo, informamos que a Universidade vai apurar as novas denúncias com absoluta seriedade e agilidade, como sempre o fez em situações análogas. Para tanto, a UFPel deliberou, na tarde de ontem, a constituição de comissão específica, a fim de investigar essas novas denúncias e propor a adoção das providências que se fizerem necessárias."