A transformação gradual do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em prova digital começará em 2020, quando será testada a novidade anunciada pelo Ministério da Educação (MEC) em julho deste ano e antecipada pela colunista de GaúchaZH Carolina Bahia em junho. Nos anos seguintes, a aplicação da versão digital será progressiva, com previsão de ser consolidada em 2026.
A digitalização da prova, porém, esbarra em obstáculos, como a necessidade de aumento do banco de questões, uma tarefa cara e demorada, segundo o professor Ocimar Munhoz Alavarse, especialista em políticas públicas de educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ele conta que é preciso seguir rigoroso processo para garantir qualidade e sigilo, com aprovação das perguntas por três avaliadores, pré-testes com alunos e revisão. Além de o item ter de cobrir a matriz curricular exigida, é preciso que tenha diferentes níveis de dificuldade, um trabalho de criatividade e conhecimento, considera.
— Se teremos mais datas de provas, precisamos de mais itens — comenta, temendo que uma pressão para criação de questões comprometa a qualidade do exame.
Em 2021, serão realizadas duas aplicações digitais, em datas distintas, agendadas previamente. De 2022 a 2025, o Enem Digital seguirá sendo aprimorado e a previsão do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) é realizar até quatro aplicações digitais, em dias diferentes, com agendamento prévio e ainda opcional para os participantes.
No primeiro ano de teste, o modelo digital será aplicado para 50 mil pessoas em 15 capitais do país, entre elas, Porto Alegre. De 2021 a 2026, os participantes poderão escolher, no ato de inscrição, pela aplicação-piloto ou pela tradicional prova em papel.
Alavarse alerta, ainda, que um item no papel pode não ter o mesmo peso se aplicado em computador. É preciso levar em conta, diz o professor, a cultura e a familiaridade do participante com a tecnologia para definir a dificuldade da pergunta. Cada questão recebe uma nota que pode chegar a mil pontos conforme sua complexidade.
— No papel, é possível riscar, fazer anotações. Ler mensagens dos amigos no computador não é como ler uma prova. É preciso fazer pré-testes para se certificar de que o grau de dificuldade é o mesmo no papel e no computador. Caso contrário, pode acontecer de o governo comparar coisas que são incomparáveis (prova física e digital)— opina.
Presidente do Inep entre 2005 e 2009, Reynaldo Fernandes diz que a principal mudança seria a aplicação da prova em dias diferentes. Traria mais segurança, facilitaria a logística, faria o Enem perder status de grande evento e permitiria a quem perdesse a prova fazê-la em outro dia. Isso independentemente da aplicação física ou digital. Sobre a prova em computador, teme por vazamentos e como o governo irá disponibilizar equipamentos para todos os inscritos.
— Vencidas essas barreiras, tem tudo para dar certo. Estando a prova já digitalizada, é uma etapa a menos a ser feita — diz.
O Ministério da Educação destaca que a versão digital proporcionará economia com impressão de papel e ganho para o meio ambiente. Somente em 2019, mais de 10,2 milhões de provas foram impressas para o Enem. Os custos da aplicação, que ocorreu nos últimos dias 3 e 10, superam R$ 500 milhões para os mais de 5 milhões de participantes.
Do ponto de vista técnico, o Enem Digital vai permitir a utilização de novos tipos de questões com vídeos, infográficos e até a lógica dos games. Também será possível aplicar o Enem em mais municípios, diz o governo.