O poeta modernista Mário de Andrade escreveu que “O Brasil é feio mas gostoso”. Lídia Prokopiuk, professora de geografia e geopolítica, afirma que a prova de Ciências Humanas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é exaustiva, mas bonita. É bem provável que um candidato experimentado no exame concorde com a primeira parte da frase de Lídia. Os professores entrevistados para este guia têm convicção da segunda.
Para Lídia, que dá aula nos cursos Mottola, Total e Apoio, a beleza do exame está em cobrar conhecimentos complexos, promover a reflexão e o raciocínio. Ao mesmo tempo, o exame é de alta dificuldade, mais condizente com cursos superiores do que com Ensino Médio, a julgar por livros e revistas dos quais são retiradas as questões, afirma.
— O Enem incentiva o aluno a não decorar apenas um conceito desconectado de uma discussão, e, sim, usar o conhecimento como ferramenta prática de fato — avalia Dionathas Moreno Boenavides, do Fênix Vestibulares. Segundo ele, por vezes o exame cobra teorias conhecidas sem fazer a referência ao autor, aumentando a dificuldade.
— A prova busca informações que se conectam não obrigatoriamente em sincronia. Já vi questões que abordam a escravidão e a questão étnico-racial no Brasil atual, ou Simone de Beauvoir, clássico da filosofia existencialista, e relações de gênero de hoje. O diálogo passado e presente é tão forte quanto o diálogo interdisciplinar — diz.
Evandro Machado Luciano, professor do Me Salva!, destaca que a prova é marcada pela integração de conteúdos distintos de uma mesma disciplina ou a mescla de disciplinas diferentes.
— Não é raro haver uma questão com um texto sob a perspectiva de um filósofo e outro com uma análise de dados sociologizante, em que duas áreas dialogam. Ou ter os pré-socráticos em um texto e a análise do Foucault sobre a sociedade contemporânea em outro — afirma.
Estratégia deve considerar o TRI
Na opinião de Boenavides, mesmo alunos bem preparados às vezes pecam na estratégia de resolução. Como Lídia, ele sugere, primeiro, a leitura do comando e depois a do texto-base. Assim, é possível avaliar se a questão é fácil ou difícil.
— Na lógica da Teoria de Resposta por Item (TRI), errar uma questão fácil provoca mais perda do que acertar uma difícil significa ganho — compara.
Embora o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tenha dito que o Enem de 2019 não terá polêmicas, os professores não esperam que isso se traduza em grandes mudanças. Para Maurício Borsa, professor de história do Método Medicina, é possível que temas supostamente suscetíveis a críticas tenham um cunho mais objetivo do que subjetivo. A simples eliminação de temas é improvável, avalia.
— Não tem como saber antes se a prova foi alterada pela comissão do presidente — diz Bruno Fleck, do Unificado.
Fleck prefere dirigir o estudo para o que costuma cair no exame. Da mesma forma pensa Luciano Teixeira, professor de geografia e geopolítica do Método. Embora suponha que queimadas e desmatamento tendem a ficar de fora do exame, ele sugere a revisão dos temas frequentes. Veja abaixo as apostas dos professores.
Migrações, Brexit e guerra comercial
Geografia
O banco de questões é feito com bastante antecedência e, quando temas mais recentes de geografia aparecem na prova, são de notícias de três anos antes, diz Bruno Fleck, do Unificado. Ele acha normal torcer para que caiam na prova eventos relevantes, como o acidente da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, mas considera pouco provável ocorrer. Um tema esperado há anos é a crise de refugiados, ele destaca.
Fatos muito recentes não caem em geografia, avalia Lídia Prokopiuk, do Mottola, que considera prioritário revisar o que sempre aparece na prova, como problemas ambientais, urbanização, industrialização e agricultura. Ela destaca o alto nível de dificuldade dos itens.
— Tem gente que acha fácil eliminar três respostas, mas as duas que sobram estão separadas por uma linha muito tênue entre o certo e o errado. É preciso reler a pergunta, o verbo de comando. O texto-base, muitas vezes, induz a uma interpretação precipitada — diz.
Luciano Teixeira, do Método Medicina, acredita que dificilmente estarão na prova fatos relevantes e atuais que possam suscitar críticas, como agrotóxicos, desmatamento, racismo e minorias. De acordo com Teixeira, sempre caem globalização e geopolítica, pelo viés econômico, biomas e urbanização.
Conforme os professores, demografia é um tópico frequente no Enem e, como os dados mais recentes destacam o envelhecimento da população e a redução da natalidade, a prova pode abordar a pirâmide etária brasileira.
Veja outros tópicos para ter atenção:
- Guerra comercial entre Estados Unidos e China
- Greve dos caminhoneiros e problemas de transporte no Brasil
- Movimentos migratórios, como os da Venezuela e da Síria
História
— O que cai está muito amarradinho com a matriz de referência. Tudo que está nos eixos temáticos é “batata”, sempre aparece. Por exemplo, formação da democracia na Grécia, formação dos Estados nacionais, Era Vargas, negro na formação da sociedade brasileira — diz Maurício Borsa, do Método Medicina, a respeito das questões de história. Ele lembra ainda que, até a edição passada, era certa a abordagem a movimentos sociais.
Para Evandro Machado Luciano, do Me Salva!, fatos mais recentes podem surgir em questões que requeiram a articulação do fenômeno atual com referências de história, sociologia, ou ambas disciplinas na mesma questão. Uma abordagem constante do exame, ele exemplifica, é a relação dos 300 anos de escravidão com seus impactos na atualidade brasileira.
— A prova está voltada para a história do Brasil, trazendo à tona nosso papel de cidadão na construção das características políticas e sociais. Há uma ou duas questões a respeito do período colonial e a incidência maior é sobre o período a partir da República — diz.
Além das revoltas sociais a partir do fim do século 19 e a política oligárquica, a Era Vargas aparece bastante e pode surgir em diálogo com a história contemporânea, como a reforma trabalhista e as novas formas de trabalho, avalia.
Borsa e Luciano ressaltam que “atualidade” não é imediatismo, em se tratando de Enem. Portanto, fatos do presente que podem aparecer no exame são aqueles que já vêm de algum tempo, como o Brexit.
Confira os assuntos que podem cair em questões de história:
- Influência da Rússia em nações do Oriente Médio, como Crimeia, Ucrânia, Síria
- Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia
- Os movimentos pela independência da Catalunha