Consolidando a tendência do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) dos últimos anos, a prova deste domingo (4) abordou temas de cunho social. Dentre as 90 perguntas das provas de Ciências Humanas e de Linguagens (45 para cada), foram tratados temas como feminicídio, racismo, ditadura militar, refugiados e até o pajubá, dialeto criado por travestis.
O próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação responsável por elaborar o Enem, homenageou a escritora mineira Conceição Evaristo. Negra, ela é conhecida por discutir o racismo presente na sociedade brasileira. Trechos da autora estavam na prova.
Uma questão na prova de inglês tratava do romance 1984, do escritor inglês George Orwell. O livro trata de um futuro onde o Estado é totalitário e censura o livre-pensamento da população. Na de espanhol, o livro Los Hijos de los Días, de Eduardo Galeano, trata de protestos feitos por jovens na Espanha.
Várias questões abordavam a violência contra a mulher. Uma delas trazia um anúncio com o telefone para denúncia: "Se você foi vítima do assédio, rompa o silêncio: denuncie". Outra trazia um trecho da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
A diversidade sexual também esteve presente, como em uma questão na qual o pajubá era mencionado para falar sobre dialeto. "Nhaí, amapô! Não faça a loka e pague meu acué, deixe de equê se não eu puxo teu picumã! Entendeu as palavras dessa frase? Se sim, é porque você manja alguma coisa de pajubá, o 'dialeto secreto' dos gays e travestis", começa o trecho do texto.
Professor de geografia e gerente pedagógico do Descomplica, Cláudio Hansen classificou a prova como "médio-difícil", com pouca quantidade de questões fáceis. Ele diz que a avaliação exigiu interpretação de texto e conhecimento de atualidades.
— A prova deste ano trouxe assuntos contemporâneos: a democracia enquanto sistema político, os governos civis e militares, a era Vargas… Mas gênero, política e cultura negra ganharam destaque importante. Havia questões sobre escravidão, linguagem comum das travestis, crise de refugiados. Só a questão indígena ficou de fora — afirma.
Na parte de história, havia questões sobre escravidão, Era Vargas, João Goulart, surgimento do voto feminino, o governo militar do general Ernesto Geisel e Guerra Fria. Uma pergunta exigia conhecimentos sobre o apartheid nos Estados Unidos – sem, contudo, especificar o momento histórico. Em geografia, clima e hidrologia foram cobrados com maior profundidade.
A prova de Linguagens exigiu muita interpretação de texto, mas não trouxe grandes surpresas, diz Eduardo Valladares, professor do Descomplica. Ele afirma que os estudantes tiveram que demonstrar conhecimentos sobre funções da linguagem e comparar textos artísticos entre si. Uma imagem do fotógrafo Man Ray, por exemplo, abordava jogos de luz.
— Para cada questão, havia um texto, o que pôde tornar a prova cansativa. Mas não havia perguntas impossíveis. A prova abordou bastante a questão das minorias. Uma pergunta falava sobre a mulher não ser incluída no futebol. Havia ainda uma sobre deficiência visual — diz o professor.
Uma das questões trazia o resumo de um texto acadêmico sobre o estereótipo negro em produtos de beleza. Dentre os autores brasileiros citados, estavam Guimarães Rosa, Stela do Patrocínio (autora internada em um hospital psiquiátrico e cujos poemas foram transcritos pela filósofa Viviane Mosé), Torquato Neto, Erico Verissimo e Manoel de Barros.
O tema da redação foi "manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet". O assunto foi considerado, por analistas, complexo, mas atual.