A reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) serviu de cenário, no começo da tarde desta segunda-feira, para uma sessão de fotos que seria impossível de realizar apenas uma década atrás.
Como parte das celebrações pelo Dia da Consciência Negra, cerca de 200 alunos, professores e funcionários afrodescendentes lotaram o pátio da instituição e posaram para os fotógrafos, com os punhos fechados no ar, mostrando que a UFRGS ganhou uma coloração diferente desde que as cotas raciais começaram a ser implantadas, em 2008.
— Nenhum cotista a menos! — entoaram os participantes, em uma referência à apuração que a universidade vem realizando sobre 334 de casos de estudantes supostamente brancos que se autodeclararam negros para ingressar nos cursos.
A expectativa dos organizadores era reunir 100 pessoas, mas a meta foi superada com folga. Estudantes do Colégio de Aplicação e da Faculdade de Agronomia, que ficam na zona leste da cidade, a mais de 10 quilômetros de distância, locaram ônibus para comparecer. A futura agrônoma Daisy Peres Godoy, 22 anos, aluna de sétimo semestre, considerou "muito importante" participar:
— Meu curso é elitista, conservador e preconceituoso. É formado por filhos de fazendeiros, a maioria deles vindos de famílias alemãs e italianas, sem presença da cultura negra na sua realidade. Em algumas disciplinas, sou a única negra em uma turma de 60 alunos. Precisamos mostrar que estamos presentes e somos capazes de estar em uma universidade pública de qualidade, e não nos papéis que são determinados para nós.
A iniciativa, batizada de "Sim, representatividade importa!", faz parte da programação do Novembro Negro na UFRGS, organizado por diferentes grupos e unidades da instituição para "fortalecer a luta diária pela igualdade étnico-racial". Uma das idealizadoras e organizadoras da foto, a estudante de Ciências Sociais Morghana Benevenuto Almeida, 19 anos, não escondia o seu orgulho com a mobilização. Depois de ser aclamada ao dizer, ao megafone, que "a negrada da UFRGS não cabe numa foto", a aluna revelou sua emoção a Zero Hora:
— Fico até sem palavras. Acho que essa foto significa mais do que representatividade, significa resistência. Ela mostra que depois das cotas houve um aumento significativo na quantidade de negros, mas ainda é preciso lutar por mais.
A funcionária da universidade Adriana Alves, de 43 anos, viu na reunião uma "demonstração de força":
— Como servidora, não me sinto ameaçada, mas vejo que existe discriminação muito grande, especialmente entre alunos. Essa mobilização é o ápice do que queremos ser, mostra que estamos representados na UFGRS e que precisamos ter visibilidade maior.
Entre os presentes estava a ativista Eliane Almeida de Souza, 47 anos, que se apresentou como a primeira pessoa negra da Lomba do Pinheiro a obter um título de doutor na UFRGS — ela doutorou-se em educação. Eliane também participou do processo de implantação das cotas na instituição. Para ela, o acesso do negro ao ensino superior é essencial para sua ascensão na sociedade brasileira.
— Só conseguiremos isso via educação. Esta foto coletiva mostra o quanto as cotas são importantes para o acesso e a permanência do povo negro.
Um dos cotistas presentes era João Francisco Alves Dias, 56 anos, aluno do 6º semestre de Psicologia. Depois de se aposentar da Polícia Civil, em 2014, ele conseguiu realizar o sonho de ingressar na universidade pública (já tinha uma graduação em Administração em uma faculdade do interior do Paraná) graças ao sistema de reserva de vagas para negros.
— Para nós, tudo é emblemático. Esta foto é emblemática. Vivemos um processo difícil, mas estamos conquistando nosso espaço a cada dia. Antes éramos 1%, mas agora temos quantidade suficiente para começarmos a nos expor.