Um em cada cinco jovens brasileiros é "nem-nem", quer dizer, está enquadrado entre aqueles que não trabalham e tampouco estudam. O diagnóstico vem do IBGE, que coletou dados de pessoas com idades entre 15 e 29 anos na Pesquisa Nacional por Amostragem a Domicílio (Pnad) de 2012. No ano passado, um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro confirmou o índice, analisando uma faixa etária que se estendia dos 18 aos 25 anos.
São 9,6 milhões de pessoas que, diferentes entre si nos mais variados aspectos, se pegaram unidas, certo dia, neste apelido pouco honroso - "nem-nem". O próprio IBGE não garimpou o que essa "geração" tem em comum, para além de estar desgarrada do emprego e da escola:
- Infelizmente, a causa a gente não tem como precisar. Não perguntamos por que as pessoas estão sem estudar nem trabalhar. O que fizemos foi tentar traçar o início de um perfil - diz Cíntia Agostinho, pesquisadora do IBGE.
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Uma das pistas para enxergar a origem desse suposto fenômeno está na crise financeira que atravessa o globo desde 2008. O Brasil não está sozinho a embalar os seus "nem-nem" - a recessão na União Europeia lançou ao desemprego quase um quarto dos menores de 25 anos, proporção bastante superior aos cerca de 11% de desemprego geral no velho continente, indicativo de que, quando a crise aperta, é a gurizada que apanha mais.
Como o Brasil tem segurado as pontas diante do cenário internacional instável, inclusive com rumores de pleno emprego, especialistas têm buscado explicações alternativas para a emergência dos nem-nem.
- É uma geração com baixa auto-estima, desconectada, que não pensa no futuro. Ela tem medo de assumir responsabilidades, e o que nos trouxe a isso foi o estilo de vida que levamos hoje. Tudo é transitório, passageiro, nada mais é sólido - avalia o jurista e professor Luiz Flávio Gomes, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil, citando o filósofo Zygmunt Bauman, autor de Modernidade Líquida.
De acordo com o ex-promotor, ao menos uma parcela dos jovens, incentivada pela fluidez da internet, está "inerte e anestesiada", sem conseguir se encontrar "nem nos relacionamentos com os pais, nem com os amigos, nem com a sociedade". Outro fermento nesse bolo seria o aprimoramento das condições de vida:
- Há gerações que passam por muitas dificuldades e sabem como é difícil sobreviver. A geração seguinte encontra muita coisa pronta. Não sabe o quanto custou para chegarmos a esse ponto porque não lutou, é uma geração que nasceu com a comida no prato - sustenta Gomes, acrescentando que a rotatividade imposta pelas empresas também desanima os jovens.
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Condições bastante específicas, entretanto, começam a despontar quando são cruzados os dados do Pnad. Se, por um lado, "nem-nem" serve de adjetivo zombeteiro contra os deitados em berço esplêndido, por outro, a expressão parece injusta considerando que a representante típica dessa geração é mulher, mãe, pobre e habitante da região Norte ou Nordeste do país:
- Nesse grupo de 15 a 29 anos, 70,3% de quem não trabalhava nem estudava eram compostos por mulheres. E, dentre elas, 58,4% já tinham pelo menos um filho. Quando olhamos a escolaridade, percebemos que 32,4% não tinham o Ensino Fundamental completo, e somente 5% tinham o Superior completo ou incompleto - diz Cíntia Agostinho.
As estatísticas, assim, apontam para as dificuldades que mulheres de áreas mais pobres encontram ao tentar fazer a maternidade correr paralela ao emprego e ao estudo, conclusão reforçada pela representatividade menor da "geração nem-nem" em regiões com menos desigualdade econômica. O Sul apresenta a menor densidade (15%) de jovens que não trabalham nem estudam, e a fatia de juventude "nem-nem" em Santa Catarina é de apenas 12,7%.
Novos rumos
Há ainda quem tenha decidido se libertar, nem que por um respiro, dos grilhões de uma carteira assinada. Os jornalistas Gabriela Thomaz, 26 anos, e Guilherme Santos, 27, deixaram o emprego para trás em 2012. Contra uma rotina falsamente inevitável, eles juntaram grana e se mandaram para a Amazônia a registrar, em troca de cama e comida, o trabalho de ONGs. Rodaram Venezuela, Colômbia, Equador e Peru e, sem patrão nem professor, voltaram para Porto Alegre com uma exposição fotográfica e um filho a caminho.
- Foi uma surpresa. Grávida, era muito difícil que alguém me empregasse. Então o Guilherme voltou a trabalhar e fiquei esse tempo parada - lembra Gabriela, que agora se prepara para um mestrado em Antropologia sem perder as primeiras descobertas do filho de oito meses.
Depois de abandonar o emprego, Rafael Duarte dirigiu curta premiado e se prepara para lançar outro. Foto: Machina Filmes / Divulgação
Para Rafael Duarte e Taísa Ennes Marques, pedir demissão foi o jeito de fazer cinema para além do período das férias - parada que eles passaram dois anos sem ter. Feitas as economias e chutados os baldes, eles passaram a arriscar filmes próprios e, sem perspectiva de lucro rápido, lançaram a produtora Machina Filmes:
- Ocupamos todo o tempo nas nossas ideias. Algo que nos aborrecia era ter que trabalhar nove horas em um lugar onde éramos subaproveitados - relata Rafael.
O segundo curta da Machina, A Princesa, arrebanhou um punhado de honrarias, incluindo o prêmio de melhor atriz no 41º Festival de Gramado. O próximo curta, Caçador, estreia no sábado em Gramado.
O IBGE informou que o Pnad levou em conta a "semana de referência", ou seja, o momento imediato por que passavam os entrevistados - fossem jovens gestantes em regiões carentes do país, desocupados por vocação, desempregados sem rumo ou gente em plena criação de caminhos novos.