Em entrevista ao programa Timeline Gaúcha, da Rádio Gaúcha, na manhã desta quinta-feira (4), o economista e ex-presidente do Banco Central (BC), Gustavo Franco, falou sobre os bastidores da criação do Plano Real, considerado por economistas de várias correntes um dos planos mais inovadores da economia mundial, e que completa 30 anos em 2024.
Há três décadas, o cruzeiro real, uma moeda corroída pela hiperinflação, dava lugar ao real, que estabilizou a economia brasileira. Franco relembra ainda as dificuldades de implementação do plano, considerado na época uma aposta arriscada que envolveu uma espécie de engenharia social para desindexar a inflação após sucessivos planos econômicos fracassados.
— Se eu fosse resumir, eu diria o seguinte: antes do Plano Real, era como conversar com um viciado no auge do vício sobre os malefícios do vício para a saúde. Ele não se convencia, não aderia a nenhum tipo de tratamento, já tentou vários e permanecia em estado de negação e resistência. Depois de implementado e se mostrar bem-sucedido, todo mundo achou ótimo e começou a dizer que sempre foi a favor, mas isso não era verdade — comenta.
Segundo Franco, autor do livro 30 anos do Real: crônicas no calor do momento, a inflação se desenvolveu no Brasil ao longo de vários anos. De acordo com ele, "políticos da época queriam fazer congelamento, que era a ferramenta que conheciam e tinha uma eficácia momentânea", mas isso foi rechaçado pelos economistas.
— Tivemos 15 anos seguidos de inflação média mensal de 16%. Então, não foi algo que aconteceu de repente. Foi como aquela coisa que se fala do Brasil: o subdesenvolvimento não é improvisado. Nós meio que preparamos cuidadosamente essa tragédia. Temos poucas precauções e, às vezes, levamos um susto. Mas, nesse caso, não foi um susto. Nós conhecíamos o problema e passamos por cinco ou seis tentativas frustradas de lidar com a inflação — explica.
O economista alerta ainda que o populismo pode ser prejudicial na hora de aplicar uma medida econômica. Franco detalha que o então presidente Itamar Franco "ouvia palpites de muita gente que queria congelamento ou aproveitar a ocasião para fazer um aumento geral de salários, como foi feito no Plano Cruzado, que acabou naufragando".
— Ou seja, se houver um ataque de populismo no momento da estabilização, claro que a estabilização vai dar errado e os novos objetivos do populista também. A receita do fracasso era bem conhecida, e o grupo do Plano Real não ia repetir isso de jeito nenhum. Resistir a essas pressões internas foi muito importante desde o início. Na verdade, antes mesmo de começar. Depois que começou e começou a dar certo, todo mundo ficou a favor, todo mundo achou bacana e elogiou — relembra.