O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve de se movimentar nesta segunda-feira, 14, para conter danos políticos após afirmar que a Câmara estaria com "um poder muito grande" e que não poderia usá-lo para "humilhar" o Senado e o Executivo. Diante do mal-estar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), cancelou reunião marcada para ontem à noite com líderes de partidos para debater o novo arcabouço fiscal - uma das prioridades do governo.
"As minhas declarações foram tomadas como uma crítica (à atual legislatura). Eu estava falando sobre o fim do presidencialismo de coalizão", afirmou Haddad, a jornalistas, logo depois de ligar para Lira.
Em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo, o ministro disse que a negociação dos projetos do governo na Câmara "não está fácil". "Não pense que está fácil. A Câmara está com um poder muito grande, e não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo. Mas, de fato, ela está com um poder que eu nunca vi na minha vida. Tem de haver uma moderação, que tem de ser construída", disse. Gravada na sexta-feira, a conversa foi divulgada ontem.
Haddad disse ainda que o País vive uma situação "estranha" em um tipo de parlamentarismo sem primeiro-ministro. "A gente saiu do presidencialismo de coalizão e, hoje, vive uma coisa estranhíssima, que é um parlamentarismo sem primeiro-ministro. Não tem primeiro-ministro, ninguém vai cair, quem vai pagar o pato político é o Executivo."
O governo tem dificuldades para avançar pautas sem o apoio do Centrão, comandado por Lira. O cenário aumentou o apetite do grupo por cargos, levando a uma reforma ministerial que está na mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
'Manifestações enviesadas'
Sem citar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), usou ontem as redes sociais para dizer que "manifestações enviesadas e descontextualizadas" não contribuem para o "processo de diálogo" e para a "construção de pontes" entre os Poderes.
Logo depois de conhecer as declarações dadas por Haddad ao jornalista Reinaldo Azevedo, Lira cancelou reunião que estava marcada para ontem à noite com o relator do novo arcabouço fiscal, deputado Claudio Cajado (PP-BA), líderes partidários e técnicos da equipe econômica para discutir as mudanças feitas no texto durante sua tramitação no Senado. O encontro ocorreria na residência oficial do presidente da Câmara, em Brasília.
Lira também disse que a "formação de maioria política" é uma missão do governo, e não do presidente da Câmara, mas que, mesmo assim, tem se empenhado nesse sentido. O presidente da Casa ainda afirmou ser equivocada a avaliação de que a formação de consensos no Congresso revela uma concentração de poder "de quem quer que seja". "A formação de maioria política é feita com credibilidade e diálogo permanente com os líderes partidários e os integrantes da Casa."
A declaração do ministro foi classificada como "infeliz" nos bastidores da Câmara, o que teria deixado a reunião sobre o arcabouço "sem ambiente". As lideranças partidárias têm reforçado que a Câmara aprovou todas as pautas de interesse do governo no primeiro semestre, e que Haddad sempre teve uma boa relação com os deputados.
A relação do governo com a Câmara já estava desgastada por conta da pressão do Centrão por uma reforma ministerial, mas o que mais pesou na reação das lideranças foi o fato de a fala ter partido justamente de Haddad, que tem sido elogiado e recebido apoio nas votações.
'Cavalo de batalha'
Diante da reação, Haddad teve de ligar para Lira e dar a sua versão sobre o teor da entrevista. "Falei com Lira, fiz questão de ligar a ele", disse o ministro, a jornalistas. Ele descreveu a conversa com o presidente da Câmara como "excelente". Segundo o ministro, Lira indicou que caberia um esclarecimento por parte do chefe da Fazenda, porque, da forma como foi colocada, a declaração poderia soar como uma crítica direcionada.
"Não vamos fazer disso um cavalo de batalha. A primeira providência que tomei foi ligar para o presidente Arthur Lira e esclarecer o contexto das minhas declarações. As minhas declarações não dizem respeito à atual legislatura. Eu sou só elogios para a Câmara, o Senado e o Judiciário. Nós não teríamos chegado até aqui sem a concorrência dos Poderes da República", disse Haddad.
Ainda segundo o ministro, a exposição tinha como contexto os dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lulla da Silva, enquanto funcionou o chamado presidencialismo de coalizão. Na avaliação de Haddad, o modelo não foi substituído por uma relação institucional mais estável e, portanto, existiria a necessidade de se estabelecer um sistema mais harmônico. "Longe de mim criticar a atual legislatura", disse o ministro.
Além da pressão pela reforma ministerial, outros dois pontos têm desgastado a relação entre Congresso e o governo. Um deles é a estratégia dos parlamentares de aumentar o poder sobre o Orçamento, por meio da ampliação das emendas impositivas (de pagamento obrigatório) e com a criação de um cronograma para o pagamento desses montantes, como adiantou o Estadão. Isso iria, portanto, na contramão dos interesses do governo, que quer aumentar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), inclusive usando os valores reservados para as emendas.
Outro ponto que já começa a causar atrito é o pacote de medidas arrecadatórias defendidas por Haddad, que vem sendo chamado de "Robin Hood", por mirar a fatia mais rica da população. Há resistências na Câmara para aumento de impostos e preocupação com "a criação de narrativas", por parte do governo, de que o Parlamento estaria protegendo os mais ricos.
Convite
A reunião que aconteceria ontem à noite estava marcada desde a semana passada - Haddad chegou a ser convidado por Lira antes da divulgação das declarações do ministro. A expectativa era de que Cajado e a cúpula da Câmara chegassem a um consenso sobre as alterações feitas pelo Senado no arcabouço, e indicassem uma data para votação em plenário.
No Senado, os parlamentares deixaram fora dos limites fiscais despesas com ciência e tecnologia, com o Fundeb e o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Também aprovaram uma emenda que garante uma folga em torno de R$ 30 bilhões para o governo, ao autorizar a previsão de despesas condicionadas no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2024 - que precisa ser enviado ao Congresso até o fim de agosto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.