Em um contexto de políticas habitacionais e economia que não avançam na mesma velocidade da construção de novas moradias, o número de imóveis vazios quase dobrou no Rio Grande do Sul no intervalo de 12 anos. O total de domicílios particulares não ocupados – considerados vagos – saltou 85,2% em 2022 ante 2010 no Estado. Os dados fazem parte da primeira rodada de divulgação do Censo Demográfico, registrada no fim do mês passado.
Descompasso entre velocidade de construção de novos imóveis, crescimento da população e políticas habitacionais ajuda a explicar de maneira geral esse movimento, segundo especialistas. Eles reforçam que o dado deve ser usado para mitigar impactos no setor imobiliário e nortear políticas públicas para pessoas que precisam de moradia.
O Estado anotou 604.277 domicílios vagos em 2022. Doze anos atrás, em 2010, esse total ficou em 326.229. É considerado vago o domicílio que não tem morador. Entram nesse grupo os imóveis para alugar, vender, ou vazio por qualquer outro motivo. A metodologia do IBGE não coloca nesse grupo os domicílios de uso ocasional, aqueles voltados para descanso de fins de semana, férias ou aluguel por temporada, como é o caso de plataformas como Airbnb.
Elasticidade
Luís Eduardo Puchalski, coordenador operacional do Censo 2022 no Rio Grande do Sul, afirma que a elasticidade nos números é explicada em parte pela diferença entre avanço da população e da estrutura física das cidades:
— Aí você faz aquele raciocínio bem básico, se tem uma população crescendo menos do que a quantidade de domicílios, se nada mudar, e isso continuar ao longo do tempo, vou ter muito em breve um excesso de domicílios. A média de moradores por domicílio vem caindo também ao longo dos últimos censos.
Deixando claro que é preciso ter acesso a mais detalhes dos dados do censo, como ocupação, renda e escolaridade, Puchalski afirma que esse movimento pode gerar um alerta no âmbito da construção de novas edificações e de estratégias para combater o déficit habitacional. No entanto, reforça que é preciso ter um detalhamento maior desses domicílios para maior clareza sobre impactos:
— A gente precisa avaliar com calma. Dessa quantidade toda de domicílios vagos, o que é imóvel que está no mercado, o que é abandonado, onde estão esses imóveis?
Classe média
O professor de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Roberto Rodrigues Soares, cita uma espécie de explosão imobiliária no país, principalmente a partir de 2009. Esse cenário é marcado por crescimento baseado em parte numa grande produção de apartamentos e casas voltados para classe média e investimentos de mercado.
— Temos uma falha nas nossas políticas habitacionais. Tanto uma falha de leitura desse problema, quanto uma falha de soluções. Na falha de leitura, há uma ideia de que, se se produz mais imóveis, há um combate ao déficit habitacional. Mas a gente viu uma grande produção pelo mercado e esse problema não foi resolvido — diz.
O professor Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que, além dos indicadores macroeconômicos, a necessidade de investimento na reforma de alguns locais em um ambiente menos pujante de renda também pesa nesse processo:
— Tem proprietário que está sem capital para reformar e poder alugar e esse imóvel fica desinteressante. Isso também deve estar na conta dos imóveis vagos.
Entre os municípios gaúchos, Amaral Ferrador, Barão do Triunfo e Vitória das Missões lideram com as maiores taxas de imóveis vazios dentro do total de domicílios. Porto Alegre ocupa a 48ª posição, com 101.013 das 687.602 residências desocupadas.
Entidade aponta nova demanda
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), Claudio Teitelbaum, afirma que o salto no número de imóveis vazios também pode ser explicado em parte por uma conjunção de fatores, como demanda por novos modelos de residência, impulsionada pela pandemia, e mudanças de mercado:
— Com essa demanda por novos tipos de moradia, novos investimentos distintos e busca por essa questão do retrofit (processo de revitalização de construções antigas com o intuito de preservar a arquitetura original e adequar à legislação vigente), que vem crescendo bastante, a gente começa a entender um pouco esse cenário de aumento no número de moradias vazias, que em breve podem estar recolocadas dentro do mercado.
Teitelbaum afirma que um reaquecimento da economia, com queda da taxa Selic, pode diminuir o número de domicílios vazios, mas destaca que a coordenação entre o setor e o poder público é fundamental para uma reversão mais contundente. Nesse sentido, cita como exemplo algumas iniciativas da Capital, como o novo plano diretor do Centro Histórico e do 4º Distrito.
O dirigente afirma que o setor está atuando com mais cautela, pensando nos lançamentos de imóveis de acordo com a demanda do mercado para movimentos mais assertivos.
O presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS), Moacyr Schukster, afirma que esse cenário de aumento no número de domicílios vazios também impacta o setor:
— A quantidade de imóveis para alugar continua bastante grande e a média de tempo para locar o imóvel aqui em Porto Alegre está entre 13 e 14 meses. (...) E essa média de tempo está nesse patamar há bastante tempo. Isso significa que os estoques não baixam e a velocidade de tempo para locação também não cai.
O CEO da imobiliária Crédito Real, Carlos Ruschel, afirma que esse movimento citado pelo presidente do Secovi-RS também é observado na área de atuação da empresa. No entanto, reforça que a velocidade de locação varia de acordo com diversos fatores dos imóveis, como localização e espaço.
Oscilações econômicas, mudanças de mobilidade, impacto da pandemia e falta de planejamento urbano na expansão de algumas cidades estão entre os pontos que podem contribuir para o avanço de domicílios vazios na avaliação de Ruschel. O executivo destaca que a Crédito Real observa aumento no número de clientes com residências para locação nos últimos anos:
— Houve um aumento na procura de proprietários para trazer os imóveis para locação. Não tenho um levantamento para saber a motivação, se foi uma aquisição, uma herança ou uma estratégia de renda.