O número de lares com contas em atraso engatou o 13º mês consecutivo de alta em Porto Alegre. O percentual de famílias em situação de inadimplência subiu para 40,3% na Capital em junho — uma pequena variação em relação ao mês de maio (39,2%), mas praticamente o dobro do percentual registrado em junho do ano passado (20,8%). Os dados são de pesquisa da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) com base em dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A persistência da inflação é um dos fatores que explicam esse movimento, segundo especialistas.
Inadimplência em alta acende sinal de alerta, porque pode colocar freio na atividade econômica diante de redução de consumo. Embora analisado como um retrato de todo o Estado, o levantamento consulta famílias que moram apenas em Porto Alegre.
A economista da Fecomércio-RS Giovana Menegotto afirma que a inflação persistente segue afetando as contas das famílias, que acabam priorizando pendências:
— Principalmente por causa da inflação, o orçamento das famílias vai ficando, mês a mês, mais corroído, e essas dívidas, muitas vezes, não cabem no orçamento. As famílias deparam com uma situação onde ou continuam pagando seu consumo corrente ou têm de escolher pagar algumas contas.
A economista da Fecomércio-RS destaca que a sequência de altas no juro básico também pressiona essa parcela da população inadimplente. Juros mais elevados aceleram o aumento do valor das contas em atraso, dificultando ainda mais o pagamento.
Principalmente por causa da inflação, o orçamento das famílias vai ficando, mês a mês, mais corroído, e essas dívidas, muitas vezes, não cabem no orçamento. As famílias deparam com uma situação onde ou continuam pagando seu consumo corrente ou têm de escolher pagar algumas contas.
GIOVANA MENEGOTTO
Economista da Fecomércio-RS
A pesquisa mostra que a inadimplência afeta 49% das famílias com renda inferior a 10 salários mínimos e 6,5% das famílias com renda acima de 10 salários mínimos.
O economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank, acrescenta que a queda na renda média também tem impacto no aumento da inadimplência:
— O mercado de trabalho segue com taxas de desemprego elevadas, mesmo com a redução recente nesse indicador, e aumento da informalidade. Esses fatos, aliados à inflação, resultam em uma massa de salários gerada pelos trabalhadores inferior ao período do distanciamento social. Quanto menor a renda disponível das famílias, maior a dificuldade para colocar as contas em dia.
O professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maurício Weiss afirma que o aumento da inadimplência pode frear a atividade econômica. A dificuldade de acesso a crédito por parte desse grupo é um dos fatores que explica esse movimento, segundo o especialista:
— Uma vez que essa parcela da população consome menos, há redução na demanda geral da economia. Isso faz com que diminua as vendas das empresas.
Weiss destaca que, neste momento, esse impacto é atenuado diante de alguns fatores, como programas de transferência de renda e liberação de saques emergenciais do FGTS.
Momento não é de descontrole, mas de alerta
Mesmo com as dívidas em atraso subindo, a economista da Fecomércio afirma que não existe um cenário de inadimplência descontrolada, mas sim um alerta em relação ao aumento desse indicador. O percentual de famílias que não terão condições de pagar nenhuma parte de suas dívidas em atraso nos próximos 30 dias ficou em 2,6% em junho, com leve avanço sobre maio (2,4%) e queda ante junho do ano passado (5%). Giovana afirma que esse extrato mostra que existe um grande esforço das pessoas para pagar alguma das dívidas.
Ela destaca que é difícil prever até que ponto vai chegar o percentual de famílias com contas em atraso nos próximos meses, uma vez que isso depende de fatores como efeitos de eventuais impulsos fiscais, inflação e juros.
O levantamento ainda mostra que 93% das famílias gaúchas possuíam algum tipo de dívida em junho. Esse indicador, que também leva em conta as dívidas que estão sendo honradas, mostra certa estabilidade ante maio, mas crescimento em relação ao mesmo mês do ano passado (veja o gráfico).
Dicas para organizar as contas
Wendy Haddad Carraro, professora do Curso de Ciências Contábeis da UFRGS e coordenadora de programa de extensão em educação financeira na universidade, recomenda:
- Na impossibilidade de pagar a dívida, tente negociar com os credores novos prazos e com parcelas que caibam no seu orçamento.
- Antes de negociar a dívida, coloque todas suas contas no papel. É importante saber quanto você pode pagar mensalmente.
- Priorize as contas com valores mais altos em um cenário onde não é possível quitar tudo. Dívidas mais caras tendem a ter juros maiores.
- Analise se é interessante contrair novo empréstimo com juros menores para quitar dívida atual com parcelas maiores e taxas mais altas.
- Evite o atraso no pagamento e o pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito, pois isso gera juros mais elevados.
- Se possível, não use o cheque especial, que tem juros muito elevados. Em casos especiais, tente aproveitar dias sem custo financeiro.