
A invasão da Rússia na Ucrânia já oferece ao mundo, além das cenas de horror, uma série de implicações econômicas irreversíveis. Não há como o planeta escapar de efeitos inflacionários generalizados, pressões cambiais e do freio na atividade global associados ao conflito instaurado no Leste Europeu. Setores do Rio Grande do Sul tendem a agregar componentes negativos adicionais diretos em suas cadeias produtivas.
Para se ter uma ideia, no ano passado, o volume total comercializado entre as importações e as exportações gaúchas para os países no centro da guerra somou US$ 921,8 milhões, conforme dados disponíveis no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Nos fertilizantes, por exemplo, que representaram 15% das compras externas do Estado no período, mais de US$ 386 milhões em produtos químicos tiveram origem na Rússia. De acordo com o presidente do Sindicato das Indústrias de Adubos do RS (Siargs), Ernesto Krug, a situação preocupa, mas é preciso esperar, pois ainda é provável que outros parceiros comerciais importantes se envolvam mais diretamente, caso de Belarus, de onde vieram US$ 66 milhões em cloreto de potássio no ano passado.
O segmento é fundamental para garantir produtividade elevada nas lavouras. É o que diz o economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, ao lembrar que o RS é o Estado mais dependente do setor primário. O que acontece no agronegócio, explica, se reflete de maneira mais forte por aqui.
E, a julgar pelo Índice de Inflação dos Custos de Produção (IICP), medido pela Farsul, que apontou a safra de 2021 como a mais cara da série histórica, as projeções não são animadoras.
— É algo bem preocupante, porque estamos vivendo estiagem brutal e partiremos para a próxima safra com os produtores já bastante endividados. Mesmo que o impacto direto (da guerra) do ponto de vista comercial não seja tão relevante, fará toda a diferença para alguns setores bem específicos, essencialmente aqueles ligados ao agronegócio — avalia Frank.
O professor do curso de Relações Internacionais da PUCRS Augusto Neftali acrescenta que a Rússia, embora não responda por frações majoritárias da balança comercial gaúcha, é, historicamente, parceiro comercial “interessante”.
Nesse contexto, diz, na medida em que sejam confirmadas as sanções comercias prometidas por Estados Unidos e União Europeia, no que se refere ao bloqueio do acesso aos meios de pagamentos internacionais ou a exclusão de empresas que façam negócios com companhias russas, os efeitos globais esperados também ganharão escala mais intensa na economia local. Outra vez, a área mais sensível será a agropecuária.
Retomada interrompida
Principal item da pauta de exportações do Rio Grande do Sul para a Rússia em 2021, a carne suína ainda não se aproxima do volume registrado em outros tempos. Em 2005, o território de Vladimir Putin era o principal destino do produto nacional neste segmento.
Conforme explica o diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do RS, Rogério Kerber, o Brasil chegou a exportar 400 mil toneladas, quase a metade de procedência gaúcha, aos russos. Depois de mais de uma década de cancelamento dos negócios, a Rússia retomou as compras em agosto de 2021, somando cerca de 10 mil toneladas de volume e US$ 23,6 milhões no fechamento do ano, com a totalidade dos embarques realizadas pelas oito plantas gaúchas habilitadas a entrar naquele mercado.
Mesmo que o processo de retomada das relações comerciais tenha sido, outra vez, cessado em razão da guerra, a maior preocupação está em outro fator. Kerber argumenta que ambos os países envolvidos no conflito são potências mundiais na exportação de trigo e milho. Mesmo que os produtos não figurem no relatório do Ministério do Desenvolvimento para a balança comercial do Estado, não significa que não sejam utilizados por aqui, ingressando no país por outras unidades da federação.
Nesse aspecto, afirma Frank, os efeitos serão inegáveis para o fluxo comercial e financeiro, e não apenas restritos a Rússia ou a Ucrânia.
— Ambos são importantes para a produção mundial de trigo e milho. Isso, aliado à potência dos fertilizantes e o impacto que isso exerce na cadeia alimentícia, vai provocar mais inflação dos preços internacionais — complementa.
Em cadeias consideradas de menor impacto, mas não menos relevantes, os reflexos também tendem a chegar. É o caso do tabaco, que ocupa o primeiro lugar no ranking de produtos exportados pelo RS para a Ucrânia no ano passado.
O setor que emprega 40 mil pessoas no Estado se concentra na região de Santa Cruz do Sul, município que embarcou US$ 718 milhões no período – 95% do volume relacionado com o tabaco. Do montante, US$ 6,9 milhões foi para a Rússia e US$ 1,8 milhão para a Ucrânia, o que significa cerca de 2% do total à zona em conflito.
O segmento responde por 5,76% das vendas externas do Estado e, conforme Neftali, envolve demais destinos do Leste Europeu, que devem ter acesso prejudicado.