Pouco mais de um ano após o lançamento, em agosto de 2020, o projeto habitacional Casa Verde e Amarela (CVA), do governo federal, vai precisar acelerar o passo para atingir os objetivos traçados. Conforme o Ministério do Desenvolvimento Regional, até agora, foram 322,9 mil contratações – 146 mil, em 2020, e 176,9 mil, em 2021. Isso representa 20% de 1,6 milhão de novas moradias projetadas até 2024. Significa que, em igual ritmo, nos próximos três anos, 80% da meta será alcançada dentro do prazo previsto, e não a totalidade.
O Estado responde por 19,2 mil contratações – 8,8 mil, em 2020, e 10,4 mil, em 2021. Equivalem a 5,9% dos financiamentos feitos pelo programa no país. Em nota, a pasta revela que o desempenho do primeiro semestre, no Estado, é 17,6% superior ao de igual período de 2020. No Brasil, salienta o ministério, o avanço foi de 12%.
O secretário estadual de Obras e Habitação, José Luiz Stédile, por outro lado, explica que os dados se referem só a adesões empresariais, e não consideram loteamentos habitacionais, feitos em parcerias entre governo federal, Estados e municípios. Para o secretário, a quantidade é "baixa" e a sensação é de que o programa está "estagnado".
Stédile também é vice-presidente do Fórum Nacional de Secretários de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Ele diz que, por ocasião do lançamento do CVA, a expectativa era elevada entre os secretários de habitação, mas avalia que a realidade não se confirmou.
O secretário sustenta sua afirmação com base no que chama de "pouca adesão". E conclui ao considerar o CVA um programa restrito aos financiamentos imobiliários, e não uma "política pública" habitacional:
— São mais de 50 projetos, anteriores ao programa, e centenas aguardando por novas parcerias, seja no âmbito dos municípios ou das cooperativas habitacionais.
Este é o caso, por exemplo, dos loteamentos Pitangueiras e Goiabeiras, na zona sul de Porto Alegre. Paralisadas há dois anos, as obras, no bairro Restinga, foram retomadas pela construtora Belmais, de Bento Gonçalves, com participação do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), em dezembro de 2020. Os residenciais terão 400 imóveis (200, cada) para a extinta faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). A entrega está prevista para o final de 2021.
Criado para substituir o Minha Casa, Minha Vida, o CVA trouxe duas alterações fundamentais. Na primeira, eliminou, a chamada faixa 1. Voltada a famílias com renda de até R$ 1,8 mil, a categoria contava com subsídios de até 95% para a construção dos apartamentos.
A segunda foi concentrar os mesmos subsídios, em menor proporção, no agora grupo 1, que abrange famílias com ganhos de até R$ 2 mil. Esta, por sua vez, era a chamada faixa 1,5 do MCMV, com menos subsídios, mas renda máxima de R$ 2,6 mil.
"Desguarnecida"
A ideia era que as mudanças – somadas à redução de 0,5 ponto percentual nas taxas de juros nos rendimentos de até R$ 4 mil (os grupos 2 e 3) – incluíssem mais de 1 milhão de famílias no programa. Na prática, afirma Ana Castelo, coordenadora de projetos da construção da Fundação Getulio Vargas (FGV), com a eliminação da antiga faixa 1, a parcela mais vulnerável em necessidades habitacionais, hoje, está "desguarnecida":
— Como já acontecia nos últimos dois anos, não há mais contratações no grupo das menores rendas do programa. Por isso, neste aniversário, o que se percebe são desafios enormes pela frente.
Um dos entraves à frente, avalia, é a disponibilidade futura do FGTS, principal fonte de recursos para subsídios do programa. Neste contexto, diz Ana, o encolhimento do mercado formal de trabalho e as mudanças de legislação que flexibilizam os depósitos do FGTS geram preocupações de médio e longo prazo. E, em razão do teto dos gastos públicos, o orçamento do ministério teve corte de 98%. As verbas existentes são direcionadas só à cobertura das contratações já realizadas pelo programa anterior.
Elevação dos preços é desafio ao governo
Um dos desafios para o governo federal é dar conta da elevação dos preços. Para se ter uma ideia, em um dos principais indicadores setoriais, o Índice Nacional de Custo da Construção–Mercado (INCC-M), a alta é de 17,35% nos 12 meses de existência do programa. Com o acréscimo da variação da cesta básica de materiais, de 8,7%, em igual período, a inflação do setor ultrapassa os 25%.
Ana Castelo, coordenadora de projetos da construção da FGV, avalia que, sem a revisão de valores, as empresas terão dificuldades para continuar as obras. Na iniciativa privada, comenta a especialista, a compra de um imóvel na planta sofre reajuste, por algum índice inflacionário, até o momento da entrega. Ou seja, há o repasse dos custos ao consumidor. No programa, não.
— Com a alta, é difícil que empresas ofereçam imóveis dentro do que prevê o CVA. Será ainda mais difícil cumprir a meta de 1,6 milhão de moradias. Não se pode dizer que não atingirá, mas existem problemas para manter, inclusive, as obras em andamento — analisa.
Diante do cenário, o governo federal anunciou que apresentará mudanças no programa. As alterações, esperadas para este mês, devem mexer nos atuais tetos dos financiamentos. Atualmente, dependendo da região, os valores máximos dos imóveis do grupo 1 são fixados entre R$ 85 mil e R$ 144 mil. Nos grupos 2 e 3, vão de R$ 135 mil a R$ 240 mil.
Reajuste
Em Porto Alegre, o teto é de R$ 133 mil. Conforme o diretor de habitação popular do Sindicato das Indústrias da Construção do Estado (Sinduscon-RS), Ricardo Prada, a expectativa é por reajuste de 10% a 15%. Isso elevaria o limite, na Capital, para algo próximo ou superior a R$ 150 mil.
— O governo deve divulgar nos próximos dias, após uma pressão enorme da inflação setorial. Também pode vir acompanhado de maior subsídio e menores taxas de juros — antecipa.
Segundo Prada, caso seja confirmada a intenção, as medidas ajudariam, mas não resolveriam por completo a situação. Isso ocorre porque, segundo o diretor, a iniciativa precisa garantir, com mais subsídios, a inserção de novas famílias, ou seja, aquelas com renda entre R$ 1,6 mil e R$ 2 mil.
— O programa é forte e vai continuar. O governo necessita colocar novos clientes no mercado de aquisição de moradias. Se não existir esse compromisso, não há mais como vender com os preços iguais aos de antes. É algo a ser resolvido para oferecer casas populares e diminuir a carência habitacional no país — pontua Prada.