Brasil, Uruguai e Paraguai expuseram diferenças com a Argentina e pediram maior flexibilidade para negociar acordos comerciais durante uma tensa cúpula de presidentes do Mercosul, organizada nesta sexta-feira (26) em Buenos Aires para marcar o 30º aniversário do bloco em meio à pandemia da covid-19.
A tensão nas discussões entre os presidentes foi tanta que o argentino Alberto Fernández, vendo-se sozinho, repreendeu os demais sócios:
— Não queremos ser um peso para ninguém. Se essa carga pesa muito, o mais fácil é abandonar o navio.
De um lado, os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e o do Paraguai, Miguel Abdo Benítez, pediram para "flexibilizar" a dinâmica do bloco. Mas o argentino, que presidiu a reunião, deixou claro desde o início que é contra uma redução generalizada da Tarifa Externa Comum.
— Não acreditamos que a redução linear da tarifa externa seja o melhor instrumento. A Argentina propõe preservar o equilíbrio entre os setores agrícola e industrial, com justiça social, em um contexto de absoluta incerteza global — lançou Fernández.
Bolsonaro, porém, foi contundente:
— O Brasil quer contar com o apoio (de seus parceiros) para continuar ampliando a rede de negociações comerciais internacionais, com as atualizações da tarifa externa. Precisamos atrair investimentos. Superar com urgência os grandes danos causados pela pandemia.
Coincidindo com uma política de maior abertura, Lacalle Pou afirmou:
— Não estamos satisfeitos. Concordamos em revisar a tarifa. Temos que avançar nas negociações com outros blocos. O acordo com o bloco europeu está em andamento há muito tempo. Devemos ser honestos nesse processo. Propomos que seja com uma flexibilização nas negociações externas.
Lacalle Pou foi, precisamente, quem disse que o Mercosul "não pode ser um fardo" ou "um espartilho" que impeça o avanço comercial de seu país.
Na mesma linha do Brasil e do Uruguai, Abdo promoveu:
— As negociações externas que sejam conjuntas e coordenadas, mas que não sejam uma barreira ao nosso desenvolvimento. Que as ideologias não contaminem. A pandemia prejudica nosso crescimento e nosso fornecimento de vacinas é insignificante.
O Mercosul não permite que seus membros negociem acordos comerciais separados, e é isso que Uruguai e Paraguai desejam mudar há mais de uma década.
30 anos de bloco
Trinta anos após a criação do Mercosul, vários obstáculos dificultam as negociações com a União Europeia (UE), bloco com o qual o Mercosul negocia um acordo comercial há duas décadas e ainda pendente de aprovação parlamentar.
Longe do fundacional Tratado de Assunção, de 1991, o modelo de integração volta a ser debatido.
— Uma importante redução da Tarifa Externa Comum e uma flexibilização na negociação com países terceiros o direcionam a uma simples zona de livre comércio — afirma Fernando Masi, analista do Mercosur abc.
Também participaram da reunião os dirigentes Sebastián Piñera (Chile), como Estado associado, e Luis Arce (Bolívia), em processo de incorporação plena ao bloco.
Em três décadas, o bloco teve avanços e recuos, sem conseguir estabelecer uma união alfandegária perfeita e eliminar as assimetrias internas que prejudicam as economias menores (Uruguai e Paraguai).
Também há mudanças radicais como a relação com a China, que representava apenas 3% das vendas externas do bloco. Agora, a China é o principal destino das exportações. Quase US$ 1 a cada US$ 4 exportados seguem para o gigante asiático e o país é a origem da maior parte das importações do Mercosul, deslocando os Estados Unidos, segundo a consultoria Abeceb.com.
O bloco vende 63% da soja do mundo e é o principal exportador mundial de carne bovina e de frango, milho, café e ferro, assim como o oitavo produtor mundial de automóveis. O PIB do bloco alcançou US$ 2,4 trilhões em 2019.
A novidade foi a apresentação do Estatuto de Cidadania do Mercosul (ECM), após a projeção de um vídeo comemorativo no Museu do Bicentenário da Casa Rosada (sede do governo argentino).
— O Estatuto compila direitos e benefícios que impactam de forma direta a vida dos habitantes destas nações em diversos temas, como circulação de pessoas e residência, fronteiras, trabalho, previdência social, educação, cooperação consular, comunicações e defesa do consumidor — afirmou o chanceler argentino, Felipe Solá.
A iniciativa pretende que "o cidadão de um país do Mercosul obtenha de forma simplificada a residência em outro do bloco e tenha acesso a um trabalho formal, estude e exerça seus direitos e liberdades nas mesmas condições que os nacionais". Também citou a possibilidade de obter o reconhecimento e validade de diplomas.