Se o distanciamento social imposto pela pandemia de coronavírus tornou difícil pensar em frequentar bares e restaurantes enquanto o vírus estiver circulando, um nicho em especial deve sofrer mudanças drásticas no modelo de operação para poder voltar a atuar. Popular no Brasil, o self service, em que os clientes servem a própria comida em bufê, é marcado pelo alto fluxo de pessoas, pela proximidade entre os clientes e pelo compartilhamento de objetos, características que aumentam as chances de contágio, colocando o modelo em xeque.
— Do ponto de vista de doenças infecciosas, (o self service) tem uma sistemática arriscada. É uma fonte de secreções, talheres, pratos, mesas próximas. É um tipo de alimentação que enquanto não houver uma vacina ou prevenção eficaz, não é uma boa ideia — avalia o infectologista Luciano Goldani.
De acordo com o especialista, o principal risco nesses estabelecimentos em relação à covid-19 não está na contaminação dos alimentos, mas das superfícies. Manipulados por diversas pessoas, pegadores, pratos, talheres, temperos, e a própria estrutura do bufê são o cenário perfeito para que o vírus seja disseminado.
Além disso, manter o distanciamento entre os clientes é um desafio. Vários desses estabelecimentos recebem centenas de pessoas diariamente — muitos com filas —, acomodadas em mesas próximas umas das outras.
As perspectivas pouco animadoras sobre um futuro ainda incerto têm tirado o sono de empresários do setor. Proprietário do restaurante Equilibrium, junto à Redenção e sócio de outros dois que operam com autosserviço, Edilson Steffani, ainda não conseguiu vislumbrar uma alternativa que permita a sustentabilidade de seu negócio sem o self service.
— É complicado, porque as casas foram estruturadas para ganhar na escala. Conseguimos oferecer uma variedade enorme a um preço bom, e ganhamos no volume. Se não servimos, no mínimo, 300 almoços, temos prejuízo — conta.
Com as três casas de portas fechadas desde 19 de março — uma delas reabriu com telentrega, mas as vendas caíram cerca de 90% —, preocupa-se em como será o retorno dos funcionários que tiveram contratos suspensos, a partir do mês que vem. Ele defende que com um modelo de funcionamento atual ou mesmo a la carte é inviável manter todos os empregos. Mostra-se, no entanto, disposto a fazer adaptações necessárias a uma eventual reabertura, ainda que com a circulação restrita.
A falta de perspectiva já provoca o fechamento de restaurantes com autosserviço na Capital. Segundo a Associação dos Restaurantes do Centro de Porto Alegre (Arpoa), Ari Anselmini, pelo menos três estabelecimentos encerraram as atividades em razão da pandemia — somente 15% dos 60 associados aderiram aos serviços de tele-entrega e take away. Apesar do cenário pouco animador, a entidade acredita que a retomada em moldes semelhantes ao atual é possível.
— Sabemos que muita coisa vai mudar, e teremos que fazer ajustes. Mas tenho certeza que é viável. Desde que haja higiene, não vai haver problema — projeta.
Uso de máscaras e higienização de mãos para se aproximar do bufê, além de um menor número de mesas, mais distantes entre si, devem ser itens mandatórios em um eventual retorno. Mas Anselmini acredita, ainda, que haverá reflexos na quantidade e variedade dos alimentos oferecidos — hoje há locais que oferecem mais de 80 opções. Com menos clientes circulando, a tendência é que as casas reduzam as opções para evitar desperdício.
Pelo menos por enquanto, o self service parece distante dos planos do poder público. No domingo, alterações no decreto estadual permitiram a atividade de estabelecimentos que oferecem bufê, mas sem autosserviço. A retomada implica outros cuidados previstos para a circulação, como o uso de máscaras, limitações de ocupação e o respeito ao distanciamento social.
Para o Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região (Sindha), que articulou a liberação junto ao poder público, a pandemia pode alterar de forma definitiva as operações nos bufês.
— Nossa posição é a de liberar o bufê sem o autosserviço. Entendemos que é a melhor forma, e deve ser definitiva. Agora, estamos aguardando pela liberação da prefeitura — diz o presidente, Henry Chmelnitsky.
A prefeitura de Porto Alegre deve publicar, até terça-feira (19), um decreto que autoriza resturantes a funcionarem com clientes desde que obedeçam restrições, como capacidade de público, higiene e distância entre mesas.