SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Este seria o quarto ano em que Joice Loyola, 25, venderia os seus ovos de chocolate caseiros. Nos anteriores, o negócio foi crescendo, mas agora ela já pressente prejuízos. "Faço as lembranças de Páscoa de algumas empresas, e elas já cancelam as compras", diz a moradora de Pirituba, na zona norte de São Paulo.
A perda de vendas como essa na periferia da capital paulista vem crescendo há alguns dias, à medida que pandemia de covid-19 avança pelo país. O risco de contágio cresceu bem nas semanas que antecedem a Páscoa, considerado o segundo melhor feriado para o varejo alimentar, de acordo com dados da Apas (Associação Paulista de Supermercados). A Páscoa neste ano será comemorada no segundo domingo de abril, dia 12.
A produção de chocolates caseiros nesta época do ano tem crescido por ser uma opção de fonte de renda quase garantida. Leila Prado, 49, do Jardim Rochdale, em Osasco, produz ovos de chocolate há quatro anos. Conta que chegava a faturar R$ 7 mil durante as semanas que antecedem o feriado e que, a esta altura, já estaria fazendo entrega de pirulitos de chocolate, trufas e rifas de cestas de doces.
No entanto, pelo andamento das encomendas, já percebeu que o ano será diferente para pior. "Está um silêncio. Nem parece que existe Páscoa", afirma.
Alguns, já antevendo os riscos, preferiram não investir na data. Nos últimos anos, a produção de ovos chegou a render R$ 5.000 a Joice. Ela trabalhava como analista de relacionamento até dezembro de 2019, quando ficou desempregada. Contava com o faturamento dos chocolates para fazer uma reserva, mas teme os riscos do momento.
"Infelizmente não vamos fazer nada. Estamos passando por um momento muito difícil mundialmente e optamos por não arriscar", afirma.
Moradora do Parque Cerejeira, no distrito do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, Deise Conceição, 27, também sentiu os prejuízos do momento. Ela teve 40% das encomendas de ovos de Páscoa canceladas.
Atualmente, também está desempregada e só conta com a renda do programa Bolsa Família. Por isso, decidiu continuar a vender os chocolates pelo segundo ano. Na última Páscoa, Deise vendeu 54 ovos. Do início de março até agora, quando começou a receber os pedidos, restaram apenas cinco encomendas, menos de 10% da Páscoa anterior.
Alguns persistem, até por falta de escolhas. Este ano será a primeira vez que Eliane Diniz, 44, decidiu vender ovos de chocolate. Moradora de Cangaíba, na zona leste, avaliou inicialmente que poderia ganhar R$ 1 mil. Até agora, recebeu 20 encomendas, que vão garantir a entrada de R$ 560.
"Estou fazendo a produção aos poucos e também rifas para adiantar o dinheiro e ir comprando mercadoria se precisar", diz. Ela trabalhava como copeira e está desempregada.
Um fator que afeta em especial a produção de chocolates caseiros é a natureza do combate ao vírus: o isolamento social. Boa parte das vendedoras depende da divulgação boca a boca, feita por amigos e familiares, nas empresas em que trabalham. Para essa atividade, o trabalho remoto não ajuda em nada.
Também passou a ser um desafio conseguir os ingredientes. Desde a última terça-feira (24), os estabelecimentos comerciais não essenciais no estado de São Paulo estão fechados por decreto do governador João Doria (PSDB). Ficou quase impossível comprar insumos como embalagens e formas, vitais para o acabamento dos produtos para a Páscoa.
Lívia Sirqueira, 28, mora no Jardim Zaíra, em Mauá, na Grande São Paulo, e trabalha com chocolates há 14 anos, conseguiu garantir um estoque só porque adquiriu o hábito de antecipara compras. "Gosto de me adiantar. Não que soubesse que as lojas iriam fechar, mas porque na semana passada já era para eu estar trabalhando bem se fosse um ano normal", detalha.
Quem consegue vender tem um desafio adicional: entregar. Muitos anúncios antigos garantiam que a entrega dos ovos caseiros seriam feitas em encontros na catraca de estações de metrô, por exemplo, algo inviável durante o isolamento. Usar o transporte público tem sido desencorajado pelos governos estadual e municipal pois representa se expor a aglomerações.
Deise do Jardim Ângela, vai entregar pessoalmente pois os clientes se concentram no bairro onde mora. "Vou levar nas casas das pessoas que não cancelaram, mas onde aparecer encomenda vou entregar", afirma.
Para evitar contato direto com os clientes, a moradora de Cangaíba, Eliane, pretende recorrer a um motorista de Uber, de sua confiança, para entregar os ovos.
Lívia teve de se adaptar. Eram os clientes que buscavam os chocolates. Agora, ela avalia como contratar um motoristas de aplicativo para fazer as entregas.
As produtoras de ovos caseiros contam com duas tendências do brasileiro para reduzirem os prejuízos. Primeiro, a solidariedade. São muitas as campanhas durante a pandemia que incentivam a comprar de chocolates caseiros de empreendedores pequenos e locais, ao invés de grandes marcas.
Lívia ainda acredita que pode ser beneficiada pelo que chama de hábito do brasileiro: "A cultura do brasileiro é de deixar tudo para a última hora, né?", diz. "O consumo agora, de certa forma, vai ser maior, porque a pessoa está dentro de casa."