O possível rumo do Mercosul passa por discussões em Bento Gonçalves. Nesta quarta-feira (4), em discurso no município da Serra, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que o bloco econômico deve seguir em busca de medidas que o tornem "mais forte e aberto" diante da economia mundial. A declaração ocorreu após integrantes do governo Jair Bolsonaro, inclusive o próprio ministro, sinalizarem que o Brasil poderia deixar a organização devido à vitória da oposição nas eleições presidenciais da Argentina.
— Vamos aproveitar todo o potencial da economia brasileira, vamos integrar melhor o país. Acreditamos que o Mercosul é parte fundamental do novo projeto de nação — afirmou Araújo, lembrando que o governo Bolsonaro caminha para o final do primeiro ano de mandato.
O ministro participou de reunião com chanceleres dos demais países que compõem o Mercosul — Argentina, Uruguai e Paraguai. A atividade faz parte da 55ª Cúpula da organização, que se estende até esta quinta (5), no Spa do Vinho. O hotel fica na rota turística do Vale dos Vinhedos, berço de vinícolas gaúchas. Por causa da localização, o evento foi batizado de Cúpula do Vale dos Vinhedos.
O chanceler observou em mais de uma ocasião que o Mercosul precisa continuar promovendo mudanças para se tornar mais aberto na área comercial. Em meio à tensão do governo Bolsonaro com o peronista Alberto Fernández, recém eleito na Argentina, Araújo afirmou que hoje o bloco está "desinstrumentalizado".
— O Mercosul deixou de ser freio e passou a ser acelerador. Apagou-se da memória o Mercosul insuficiente. Voltamos a ser referência e esperança. Saímos da caverna e voltamos para a luz. Não voltaremos para a caverna — comentou o chanceler.
As recentes divergências políticas entre Fernández e o governo brasileiro acenderam alerta entre analistas a respeito do rumo da organização. Na semana passada, ao ser questionado se o Brasil poderia deixar o bloco devido à vitória do peronista, Bolsonaro mencionou que "tudo pode acontecer". Após a tensão nas relações, os dois líderes sinalizaram, dias depois, manter "vínculo pragmático".
Na parte final de seu discurso, Araújo rebateu teses de que o governo brasileiro seria movido a ideologias. Na sequência, criticou o socialismo e lamentou a situação da Venezuela.
— Liberdade não é ideologia. A postura intransigente do Brasil em defesa da democracia não tem nada de ideológica — apontou. — O socialismo não funciona. Garante o poder aos que o exercem. Conseguimos parar esse trem no Brasil — emendou.
Nesta quinta, a Cúpula do Vale dos Vinhedos deve ter seu principal capítulo, com a reunião de líderes do bloco. Além de Bolsonaro, Mauricio Macri (Argentina) e Mario Abdo (Paraguai) confirmaram presença na cúpula, informou o Itamaraty. O Uruguai será representado pela vice-presidente, Lucía Topolansky.
Bolsonaro desembarca em Bento Gonçalves por volta das 9h. Em seguida, estão agendados encontro bilateral com Abdo e reunião com os demais líderes. Segundo o governo, a agenda presidencial também inclui, à tarde, anúncio de investimento na área da saúde do Rio Grande do Sul.
O encontro na Serra desenvolve-se no momento em que o Mercosul prepara transição. Além Argentina, o Uruguai caminha para mudanças em seus governos.
— O Brasil e a Argentina são o coração do Mercosul. É interessante observar qual será o tom das declarações dos presidentes, especialmente de Bolsonaro — avalia o professor de Relações Internacionais Vinícius Rodrigues Vieira, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Nesta quarta, Araújo ainda celebrou acordos costurados entre os países do bloco em áreas diversas nos últimos meses. Entre eles, está o de proteção mútua de indicações geográficas. Na prática, o acerto busca resguardar o uso de nomenclaturas específicas de cada região, como a de "Vale dos Vinhedos" para vinhos produzidos nessa área. Espera-se que o acordo seja assinado até o fim da cúpula.
Ao final da tarde, Araújo participou de reunião com representantes de Estados Associados do Mercosul, como Bolívia e Chile. Gaúcho, o ministro comemorou o fato de a cúpula ser realizada no Rio Grande do Sul.
— A escolha do Vale dos Vinhedos reafirma os valores do Brasil que orientam sua política externa. Esta é uma terra rica em empreendedorismo e liberdade. Sintetiza o que buscamos. O Mercosul aberto e democrático depende igualmente de uma América do Sul aberta e democrática — pontuou o chanceler.
O grupo
- Ano de fundação do Mercosul: 1991
- Integrantes: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai são os Estados partes. A Venezuela aderiu em 2012 como membro efetivo, mas está suspensa desde dezembro de 2016.
- O que é: criado a partir do Tratado de Assunção, o bloco busca a integração dos membros por meio da formação de mercado comum, com livre circulação de bens e serviços. O principal parceiro brasileiro é a Argentina.
Atos a serem firmados na Cúpula
- Acordo para a Proteção Mútua de Indicações Geográficas dos Estados Partes do Mercosul. A medida busca, por exemplo, garantir o uso da expressão Vale dos Vinhedos aos vinhos produzidos nessa região da serra gaúcha;
- Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte de Produtos Perigosos;
- Acordo de Administração Fiduciária Mercosul-Fonplata;
- Acordo sobre localidades fronteiriças vinculadas – saúde, transporte, identidade;
- Acordo sobre reconhecimento recíproco de Assinaturas Digitais;
- Novo Anexo sobre Serviços Financeiros do Protocolo de Montevidéu sobre Comércio de Serviços.
Programação
- A 55ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, apelidada de Cúpula do Vale dos Vinhedos, ocorre nesta semana em Bento Gonçalves, na Serra.
- O ponto alto da programação é a reunião dos presidentes, marcada para hoje. Além de Jair Bolsonaro, Mauricio Macri (Argentina) e Mario Abdo (Paraguai) confirmaram presença, indicou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Por questões de saúde, a vice-presidente do Uruguai, Lucía Topolansky, deve representar o presidente local, Tabaré Vázquez, acrescentou o Itamaraty.
- Na quarta, véspera da cúpula presidencial, foi a vez de ministros das Relações Exteriores participarem de encontro em Bento Gonçalves.
As trocas comerciais
Dados de janeiro a novembro de 2019 entre Brasil e demais países do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai) e variação ante igual período de 2018:
Exportações
Do Brasil ao bloco: US$ 13,5 bilhões
Variação frente a 2018: -31,7%
Participação do bloco em todas as exportações brasileiras: 6,5%
Principais produtos vendidos pelo Brasil ao bloco
Automóveis: US$ 2 bilhões
Variação frente a 2018: -49,3%
Demais produtos manufaturados: US$ 862,5 milhões
Variação frente a 2018: -16,3%
Peças para automóveis e tratores: US$ 762,8 milhões
Variação frente a 2018: -26,1%
Importações
Pelo Brasil de produtos do Mercosul: US$ 11,9 bilhões
Variação frente a 2018: -2,8%
Participação do bloco nas importações feitas pelo Brasil: 7,2%
Principais produtos importados pelo Brasil do bloco
Veículos de carga: US$ 2,5 bilhões
Variação frente a 2018: 15,6%
Trigo: US$ 1,2 bilhão
Variação frente a 2018: -1,4%
Automóveis: US$ 1,2 bilhão
Variação frente a 2018: -34,6%
Saldo da balança comercial
US$ 1,6 bilhão
O Brasil teve superávit no período — ou seja, vendeu mais ao Mercosul do que comprou dos demais países do bloco