A indústria brasileira tenta se reerguer em meio à herança indigesta da última recessão. Depois de encolher por seis anos seguidos, a partir de 2011, o peso do setor na economia nacional subiu em 2018 pela segunda vez consecutiva. Apesar disso, segue em nível distante ao de décadas anteriores, à espera de que a demanda por produtos engate retomada mais consistente.
De 2017 para 2018, a participação da indústria na economia nacional passou de 21,3% para 21,6%, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso quer dizer que o setor adicionou maior valor ao total de serviços e bens produzidos, expresso no Produto Interno Bruto (PIB).
O IBGE divulga os dados apenas com recorte anual, para evitar impactos sazonais em períodos mais curtos. A parcela da indústria leva em conta os segmentos extrativo, de transformação e de produção e distribuição de gás, água e esgoto, além da construção civil.
O pico na série histórica, com estatísticas desde 1995, foi registrado em 2004. À época, a fatia das fábricas na economia chegou a 28,6%.
– Estamos perdendo indústrias rapidamente, levando-se em conta nosso padrão de crescimento. O problema é como resolver essa questão. De forma simplificada, é possível dizer que o país enriqueceu pouco e já perdeu muita indústria – descreve a economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Para analistas, a crise acelerou o processo de desindustrialização, mas não é capaz de explicar todo o fenômeno. Silvia ressalta que a economia brasileira ainda é considerada fechada para o cenário internacional, o que prejudica tanto exportações quanto importações.
A pesquisadora também sublinha que a perda de peso industrial não é uma exclusividade brasileira. Em maior ou menor ritmo, outras nações também viram os serviços ganharem participação. No Brasil, esse setor respondeu por 73,3% das atividades em 2018. No começo da década, em 2011, era 67,7%. Segundo o IBGE, a agropecuária – o outro ramo – ficou em 5,1% em 2018.
– A indústria está passando por mudanças tecnológicas. Inclusive, faz com que a demanda por serviços de softwares de informática tenha alta. Países com participação mais elevada da indústria podem crescer mais, com empregos de salários maiores – frisa Silvia.
Contágios
O economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, avalia que o quadro brasileiro também preocupa porque as fábricas costumam estabelecer elevado nível de relação com os demais setores. Ou seja, eventuais resultados positivos tendem a ser repassados ao restante da cadeia produtiva.
– No fundo, menor participação da indústria gera perda de inovação. O problema no Brasil é que, em parte, estamos trocando a indústria por serviços com empregos de menor qualidade e dinamismo – pontua Cagnin.
Mesmo com dificuldades, as fábricas tiveram sopro de alívio no segundo trimestre deste ano. A atividade da indústria subiu 0,7%, influenciada pelos ramos de transformação e construção civil. Com o desempenho, puxou o avanço de 0,4% do PIB nacional.
Apesar disso, analistas adotam tom de cautela. Um dos fatores que jogam contra o setor é a turbulência no cenário externo, provocada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China e a crise na Argentina. O país vizinho é o principal destino das exportações de produtos manufaturados brasileiros, como automóveis e peças.
No Rio Grande do Sul, a indústria patinou no início do segundo semestre, conforme a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs). Em julho, o índice da entidade que mede a atividade do setor gaúcho recuou 1% frente a junho. Nos últimos quatro meses, foram dois resultados positivos e dois negativos, com saldo praticamente nulo.
“A atividade do setor continua, em meio à volatilidade, em um lento processo de recuperação. Isso se dá, principalmente, pelo baixo nível de demanda, causado pelo elevado desemprego, pela redução de investimentos e pela desaceleração da economia mundial, sobretudo por causa da crise argentina”, disse, em nota, o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry.
A importância da infraestrutura
Analistas indicam que a indústria pode recuperar fôlego no país, mas frisam que a retomada mais robusta não deve ser rápida. Pesquisadora do FGV Ibre, a economista Silvia Matos observa que, diante das dificuldades internacionais e seus efeitos nas exportações, o Brasil precisa se concentrar em propostas de ajustes internos e melhora do ambiente de negócios.
– As reformas da Previdência e tributária são importantes para criar ambiente interno melhor, com mais otimismo. Sem elas, a indústria é o setor que mais sofrerá. O país tem problemas estruturais. Investe pouco em educação e tem regime tributário que onera a produção. Isso também atinge a indústria – diz a pesquisadora.
Na visão do economista-chefe do Iedi, Rafael Cagnin, a retomada do setor passa por obras de infraestrutura. Para isso, há duas possibilidades, segundo ele. A primeira é o avanço das concessões à iniciativa privada. A outra é encontrar espaço no orçamento federal para a retomada de investimentos públicos. A segunda, reconhece o economista, representa desafio maior:
– É algo complicado, mas precisa acontecer. Uma saída é usar parte dos recursos que serão obtidos com privatizações para concluir obras que não foram terminadas e estão se depreciando a céu aberto.
Para o economista, medidas pontuais também podem ajudar. Entre elas está o novo ciclo de cortes na taxa básica de juro. Ao final de julho, o Banco Central reduziu a Selic para 6% ao ano, o menor patamar já registrado no Brasil.
– O crescimento da indústria vem sendo mais baixo do que era esperado neste ano. A reforma da Previdência deve ser aprovada. A tributária deve ficar para o próximo ano. Isso é o que vai ditar o ritmo – projeta a economista Maria Carolina Gullo, diretora de Economia, Finanças e Estatística da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul.