Diante de resultados financeiros irrisórios na última década, os Correios lideram a lista do plano de privatizações do governo federal. Persuadido pelo liberalismo do ministro da Economia, Paulo Guedes, Jair Bolsonaro autorizou os estudos para a venda e demitiu, há duas semanas, Juarez Cunha, que era o presidente da empresa, por considerá-lo um "sindicalista".
O substituto, Floriano Peixoto, disse que nada se falou sobre privatizar, mas que irá trabalhar para fortalecer a empresa. Nos bastidores, a informação é que caberá a ele a reestruturação antes da venda.
À estatal de 109 mil funcionários, restou a incerteza. Presente do extremo norte ao sul do país, a empresa acumula críticas de ineficiência nas entregas e ingerência política. De símbolo de orgulho nacional, tornou-se um produto a ser despachado.
— Os Correios eram reconhecidos pelo papel de integração nacional e garantia da comunicação entre as pessoas, o que acabou substituído por outros mecanismos. Hoje, é uma empresa ultrapassada e maculada pela corrupção e pelos problemas na prestação de serviços — avalia o economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Após sinalizar a intenção de venda, Bolsonaro alertou que a proposta só será discutida depois da votação da reforma da Previdência no Congresso. Pelas previsões mais otimistas, as mudanças na aposentadoria serão votadas em julho na Câmara, mas ainda precisam seguir para o Senado.
Só que, para garantir um bom negócio, o governo tem pressa. Segundo cálculo preliminar da equipe econômica publicado pela revista Veja, o prazo máximo para privatizar os Correios por um valor de mercado atrativo seria de cinco anos. Esse é o tempo de vida útil da estatal até que as transportadoras privadas a ultrapassassem na entrega de encomendas, o que tornaria a venda pouco atraente.
Monopólio de cartas, mas não de cargas
Impulsionada pelo comércio eletrônico, a distribuição de pacotes pelos Correios tornou-se mais lucrativa do que a entrega de cartas desde dezembro de 2017. Pela Constituição, a estatal detém o monopólio postal no país. Já no transporte de embalagens, enfrenta a concorrência do setor privado.
Um estudo da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), divulgado no mês passado, confirmou o aumento no uso das transportadoras pelas lojas virtuais nos últimos seis anos, de 35% para 58,7% no total de entregas. Porém, mesmo em queda, a dependência dos Correios pelas empresas ainda é alta — 88,6% utilizam a empresa.
O presidente da entidade, Maurício Salvador, está engajado nas articulações pela venda em Brasília, transitando em audiências no Congresso e participando de reuniões com a equipe de privatizações. Para ele, a possibilidade está "avançando rápido":
— Muda governo, muda diretoria, mudam cargos políticos e segue o uso indevido de dinheiro público. O Estado brasileiro já mostrou a sua incompetência para administrar empresas. Não conheço um caso em que o serviço não tenha melhorado para a população.
Mesmo com o debate em alta, nenhum modelo de venda foi apresentado até o momento. Para o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) Joelson Sampaio,a oferta da estatal requer cautela:
— Pode ser positivo para a economia e para a prestação de serviços, mas a forma precisa ser muito discutida. A privatização de uma empresa tão grande demanda muita discussão. Se feita a toque de caixa, não resolve nenhum problema.
Transação depende de aprovação do Congresso
Em crise com o Congresso, Jair Bolsonaro depende dos deputados e senadores para levar a venda dos Correios adiante. Para privatizar, o presidente precisa do aval da Câmara e do Senado — e, para quebrar o monopólio postal, é necessária emenda constitucional, que requer os mesmos dois terços dos votos da reforma da Previdência.
Recentemente, Bolsonaro lembrou que a privatização não depende só da sua vontade, mas também dos ex-colegas de Congresso. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deu o recado: a venda "dificilmente" passará pelas Casas.
Também no Congresso, a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Correios articula-se para barrar as intenções de Bolsonaro. Representado por mais de 200 deputados e senadores, o grupo conta inclusive com membros do PSL — mais um indício de que será duro levar a privatização adiante.
— Trabalhamos para fortalecer os Correios. O general (Juarez Cunha) que foi demitido da presidência da empresa não é um sindicalista de esquerda, como disse o presidente. Ele é um nacionalista que defende que os Correios continuem sendo uma empresa nacional — diz o coordenador da frente, Leonardo Monteiro (PT-MG).
O grupo aposta na aprovação de duas propostas para injetar novas fontes de recursos e dar sobrevida à estatal. Uma delas cria um fundo de universalização para a estatal a partir do recolhimento de 1% da receita bruta dos serviços postais, descontados os impostos.
Outra impõe que todos os órgãos do setor público deem preferência à empresa na contratação de serviços postais em vez de escolher um concorrente do setor privado.
Ex-presidentes defendem reforço da estrutura pública
Os Correios acumularam prejuízos bilionários em 2015 e 2016 — R$ 3,61 bilhões na soma dos dois anos. Depois, no biênio seguinte, houve lucros modestos. O resultado do primeiro trimestre deste ano, porém, retornou às cifras negativas — R$ 27,616 milhões —, mas pode se recuperar ao longo do ano, já que a demanda por serviços postais costuma aumentar no segundo semestre.
Presidente dos Correios no governo Michel Temer (MDB), o ex-deputado Guilherme Campos (PSD-SP) foi o responsável pelos balanços positivos. O redesenho incluiu plano de demissão incentivada, integração de unidades de negócios e mudança no plano de saúde dos funcionários. Para antigo dirigente, a privatização é uma proposta "simplista":
— Todo mundo fala em privatizar os Correios, mas ninguém deu um modelo de como deve ser. É uma empresa muito grande, muito complexa, de presença nacional e dona de uma série de ativos que precisam ser pesados. Sem falar do passivo trabalhista.
Antecessor de Campos, o ex-deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), presidente da estatal no governo Dilma Rousseff (PT), recorre ao papel social da empresa para desviar a venda mirada pelo governo Jair Bolsonaro:
— É o único órgão federal que chega na residência de todo o cidadão brasileiro. Todos mesmo, nem que seja para levar a conta de luz. Ele chega. Um bom gerenciamento faz com que o ajuste fiscal venha de encontro à sobrevivência dos Correios. Tenho certeza de que nenhuma outra empresa privada irá suprir essa demanda. Afinal, que empresa privada irá no interior de São Félix do Xingu levar uma encomenda?
Entre os atrativos, está a presença em todos os municípios do país
Em razão da queda na atividade de envio de cartas, a capilaridade e a logística de entrega de encomendas são os principais atrativos para o mercado, segundo o economista Gesner Oliveira. Os Correios estão presentes nos 5.570 municípios do território nacional.
— O segmento de entregas é interessante, a capilaridade e a existência de agências e convênios permite uma distribuição interessante que pode ser útil para transportadoras e bancos — analisa Oliveira.
Vencedor de um concurso sobre o tema do Instituto Mises — uma das principais entidades do pensamento liberal no país —, o auditor fiscal Daniel Gasparotto escreveu o artigo Como desestatizar e privatizar os Correios: um modelo completo. Para ele, a venda passaria por um processo gradual, iniciando pela transformação da empresa em sociedade anônima.
— Ao privatizar, você vê pessoas querendo trabalhar de forma diferente e com mais eficiência para atender à demanda da sociedade. E os Correios têm deixado bastante a desejar — diz o auditor.
No último dia 22, a coluna Esplanada, do jornal O Dia, publicou informação de que a chinesa Alibaba e a norte-americana Amazon estariam interessadas na compra da estatal. Para as gigantes do setor de vendas online, o interessante seria a logística de entrega nacional. Ninguém comentou os rumores.
Como é pelo mundo
Alemanha
Os correios alemães foram privatizados em 1995, depois de uma mudança no modelo de negócios baseado na prestação de outros serviços, como lojas de conveniência e atividades financeiras. Em 2002, o Deutsche Post comprou a empresa DHL. Hoje, está presente em cerca de 200 países, incluindo o Brasil. O último monopólio que detinha caiu em 2007.
Portugal
A Correios, Telégrafos e Telefones (CTT) foi privatizada em 2013. Todas as suas ações foram vendidas em 2014.
Inglaterra
O Royal Mail teve o processo de privatização, dividido em três etapas, iniciado em 2013. Naquele ano, a primeira oferta pública levou à venda de 60% das ações. Em 2015, as demais foram vendidas.
Japão
Os correios japoneses foram privatizados em 2007, depois de um plano iniciado em 2003 que levou à divisão da empresa em cinco. Mesmo privada, a maioria das ações ainda pertencem ao governo do país.
Estados Unidos
O United States Postal Service (USPS) pertence ao governo e responde por 47% de todo o volume postal do mundo. Em 1970, foi reformulado para se tornar menos dependente politicamente e autofinanciado, sem ser privatizado. Há dois anos, sua receita operacional foi de US$ 71,4 bilhões, mas com prejuízo líquido de US$ 2,7 bilhões, estimulando o debate sobre a privatização.
Fonte: auditor fiscal Daniel Gasparotto
Histórico do serviço postal
- Foi criado por Getúlio Vargas em 1931 e promovido a empresa pelo governo militar em 1969.
- Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tentou a venda dos Correios em meio ao processo de privatizações das estatais, mas uma mudança na Lei Postal - que determina, desde 1978, que a União é responsável pelo recebimento, transporte e entrega de cartas - foi derrotada no Congresso.
- Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve em meio a uma crise nos Correios após denúncias de corrupção na empresa, que levaram à investigação do escândalo do mensalão. Em 2010, houve mudanças, como a internacionalização da estatal e a reorganização baseada no modelo de sociedades anônimas.
- Michel Temer (MDB) avaliou a venda dos Correios por causa dos balanços negativos, mas desistiu.
- Jair Bolsonaro (PSL), influenciado pela corrente liberal de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que deu "sinal verde" para a venda da estatal. Porém, ainda não apresentou um modelo para privatizá-la.