Após o otimismo com a Copa do Mundo deixar como legado um excesso de leitos em Porto Alegre, a crise não quer fazer o check out na rede hoteleira. Além do aumento da oferta também insuflado pela promessa de que o país entrava em uma era de crescimento duradouro, a recessão que veio em seguida frustrou as expectativas e afastou ainda mais a clientela dos hotéis da Capital, formada em grande parte por quem viaja a negócios ou para eventos.
Os dados do Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA) mostram que, ao longo de 2014, a melhor taxa média de ocupação na cidade foi de 62% em junho daquele ano, quando a cidade sediou jogos da competição de futebol. Agora, amarga percentual de 47%, com mais leitos fechando do que abrindo. Conforme a entidade, antes do evento esportivo a Capital tinha cerca de 16 mil leitos.
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A euforia com a Copa fez diversas redes apostarem em novas unidades, o que elevou a oferta para cerca de 19 mil. Agora, são em torno de 18 mil, diz o presidente do SHPOA, Carlos Henrique Schmidt. Após a Copa, 12 hotéis encerraram as atividades e um opera com apenas metade da capacidade, o que significou o enxugamento de 1,3 mil leitos. Hoje, são 119 empreendimentos na cidade.
– Estamos no limiar entre o azul e o vermelho. A crise nos pegou no contrapé – lamenta o dirigente, que admite a sobreoferta causada pela Copa e cita o aumento dos custos como outro fator que mina a rentabilidade.
Schmidt lembra que, no caso da Capital, o movimento na rede é muito ligado ao turismo de negócios, que minguou devido à crise na economia. Com a recessão persistente, as viagens para tratar de assuntos corporativos ou transações foram substituídas por opções mais econômicas, como videoconferências. Ao mesmo tempo, diminuiu o número de eventos. Mesmo os mantidos viram o número de participantes cair.
Com a demanda retraída, apenas dois hotéis abriram em Porto Alegre depois da Copa – um foi neste ano, da bandeira Intercity, na Cidade Baixa. O reflexo no mercado de trabalho foi direto. Segundo o SHPOA, em 2016 o setor gerava cerca de 5 mil empregos. Hoje, está na faixa de 4 mil, calcula a entidade.
Outra organização do setor, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), trabalha com números um pouco diferentes, mas que também mostram a retração. Segundo a entidade, a Capital tinha cerca de 10 mil quartos em 2014 (em média, dois leitos por quarto) e, agora, são cerca de 8 mil disponíveis. O número de empregos, diz o diretor de planejamento estratégico da ABIH no Estado, José Justo, caiu de 4,5 mil para 2,7 mil.
No Rio Grande do Sul, o setor também sentiu o baque na economia, com reflexos em outras regiões, como Serra e Litoral, onde o fluxo é mais ligado ao lazer. O impacto, diz Justo, não veio com o fechamento de hotéis, mas com queda da ocupação e preço menor das tarifas.
– O valor médio das diárias no Estado caiu mais de 20%, de 2014 para 2016. Em 2017, talvez consigamos recuperar algo como 10% a 15% – diz o dirigente, que afirma notar leve melhora na economia e na ocupação nos últimos meses, movimento que considera vinculado principalmente à safra recorde no Rio Grande do Sul.
De acordo com a ABIH, após a taxa de ocupação média no Estado chegar a 38% em 2015, neste ano está em 53%. Uma das explicações da melhora no percentual é a oferta menor de quartos, com o fechamento de hotéis na Capital.
Na tentativa de reverter o quadro, o Porto Alegre Convention & Visitors Bureau passou por recente mudança de direção. O esforço é para, no curto prazo, fazer iniciativas em conjunto com a rede hoteleira, clubes de futebol, comércio e gastronomia para atrair, principalmente, mais pessoas do Interior para a Capital (leia na página ao lado). Em prazos mais longos, trabalhar para Porto Alegre se tornar mais competitiva na atração de grandes eventos. Ao mesmo tempo, o setor torce por ações que são alheias à iniciativa privada, como melhor segurança e limpeza na cidade, principalmente no Centro Histórico, e a finalização das obras de revitalização da orla do Guaíba.
Esforço para atrair eventos e visitantes
Enquanto a economia não se recupera e as viagens corporativas seguem em baixa, o Porto Alegre Convention & Visitors Bureau, sob nova gestão desde o início do mês, traça as primeiras estratégias para atrair visitantes principalmente do interior gaúcho, no curto prazo, e tentar, visando horizonte mais longo, trazer e criar número maior de eventos de todos os portes para o município nos próximos anos.
Sob o impacto da atividade fraca, a queda do número de encontros corporativos e congressos foi significativa. Em 2013, foram 92, com 148,5 mil participantes, que movimentaram R$ 97 milhões na cidade. No ano passado, caíram para 40, redução de 57%, para R$ 69 milhões.
O presidente executivo do Porto Alegre Convention & Visitors Bureau, Maurício Cavichion, avalia que a Capital tem sido tímida na busca por grandes eventos nos últimos anos.
– Em outras cidades, a agressividade comercial é muito maior. Temos de vender Porto Alegre como destino de forma mais contundente, para atrair novos negócios e eventos, além da criar calendário próprio (de eventos) – diz Cavichion.
A busca por ser mais competitivo, explica o executivo, passa por estar mais atento a todos os tipos de acontecimentos que aparecem no radar e fazer com que a cidade também passe a ser considerada como opção, tentando oferecer atrativos diferentes das demais concorrentes, não apenas na questão do preço. Tanto na área corporativa, como congressos de vendas e planejamento de grandes empresas, quanto em seminários e congressos.
O setor da saúde, avalia Cavichion, é um dos nichos que pode ser explorado, pela tendência de Porto Alegre se tornar um polo no ramo. Há ainda trabalho em áreas técnicas e científicas e com outros apelos, como estética e beleza. Em relação a calendário próprio, vê o Brilha Porto Alegre com potencial para crescer e se consolidar como programação de final de ano.
O presidente do Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA), Carlos Henrique Schmidt, vê a necessidade de outras frentes caminharem juntas no esforço para conquistar eventos.
– Precisaríamos construir um grande centro de eventos para ajudar na captação, que o projeto Cais do porto saia do papel, revitalização no Centro, atrativos para que as pessoas que vão para a Região das Hortênsias também passem um ou dois dias na cidade – lista Schmidt, que tem esperança de que o aeroporto Salgado Filho, que terá administração privada, passe por melhorias e ampliações de capacidade.
O número de eventos captados em 2017 já deve ser maior em relação a 2016. Segundo Cavichion, durante todo o ano passado foram conquistados 10, com realização prevista para os cinco anos seguintes. Agora, são oito confirmados e, nos próximos dias, existe a possibilidade de fechar com mais quatro, em um horizonte que vai até 2023. Para o executivo, é possível chegar a dezembro com total de 18 eventos captados.
Para o curto prazo, o Porto Alegre Convention & Visitors Bureau promete detalhar nos próximos dias quatro iniciativas que tentarão trazer mais visitantes, principalmente do interior do Estado. A intenção é atrair público nos finais de semana e feriados, normalmente períodos de demanda ainda mais baixa na rede hoteleira da Capital. A ideia é conjugar atrações culturais, compras, gastronomia e esporte a desconto em hotéis.
Centro é área que mais perde hotéis
O acompanhamento do Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA) mostra que o Centro Histórico da Capital é o ponto da cidade que concentra o fechamento de hotéis. Dos 12 estabelecimentos que encerraram operações depois da Copa do Mundo, 11 ficam na região. O 12º era no bairro Menino Deus. Entre os que fecharam as portas estão hotéis tradicionais, como o Plazinha e o Master da Rua Senhor dos Passos.
Para o diretor de planejamento estratégico da ABIH no Estado, José Justo, uma série de fatores leva a essa situação. Em primeiro lugar, a degradação do Centro, com problemas de limpeza, crescimento do número de moradores de rua e temor da violência. Contribuem ainda as dificuldades de mobilidade na região e certa defasagem dos prédios mais antigos, como falta de garagem.
Pioneiro da bandeira, o Hotel Master Premium Palace, com 106 apartamentos, fechou em dezembro do ano passado, após 31 anos operando. De acordo com a rede, padeceu com a queda de ocupação. "O público executivo que frequentava o hotel era bastante exigente e a região do Centro estava ficando muito insegura. Observamos a migração do corporativo e seus executivos para bairros mais nobres, com atrativos de gastronomia e compras, que apresentam mais opções de lazer, bares noturnos e, principalmente, segurança", explicou a rede. Mesmo assim, outros dois hotéis Master seguem abertos no Centro.
Aplicativos e sites como concorrentes
Não bastasse a recessão econômica e a quantidade menor de eventos, a hotelaria também passou a enfrentar uma competição semelhante ao que existe no mercado de táxis: os sites e aplicativos de locação de casas e apartamentos.
– É um concorrente novo que entrou no jogo. Desfigurou a hotelaria – admite José Justo, diretor de planejamento estratégico da ABIH no Rio Grande do Sul.
De acordo com Justo, que também é dono de uma empresa de pesquisa na área de hotelaria, apenas em Porto Alegre existem cerca de 2 mil quartos disponíveis em sites de locação como o Airbnb, o mais famoso de todos. Para ele, na Capital o número é relativamente maior do que em outras cidades exatamente pelo perfil do viajante. Um executivo que viaja a Porto Alegre apenas para um encontro de negócio não precisa de um hotel com piscina, bastando um quarto e banheiro limpos, ilustra.
Os hotéis ainda buscam estratégias para lidar com essa nova competição. Entre as quais, ressaltar atributos da hotelaria, como segurança e fiscalização da vigilância sanitária.
Sobreoferta também em outras capitais
A sobreoferta de leitos causada pela Copa não é exclusividade de Porto Alegre e se repete em outras capitais de perfil semelhante. Em Curitiba, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Paraná (ABIH-PR), existem hoje 19 mil leitos.
Em torno de 3 mil foram agregados devido à competição de futebol, mas "depois desse período quase uma dezena de hotéis já fecharam na cidade, incluindo vários cinco estrelas", informa o Sindicato Empresarial de Hospedagem e Alimentação. A entidade diz não ter dados sobre ocupação média.
Na capital mineira, são 22 mil leitos hoje, contabiliza o Sindicato de Restaurantes, Bares e Similares de Belo Horizonte (Sindhorb). Antes da Copa, eram 10 mil. A taxa de ocupação atual é de 50%, em média.
Na cidade de São Paulo, a taxa de ocupação "está muito flutuante, entre 50% e 60%, com viés de alta", diz Virgílio Carvalho, diretor do Sindicato dos Hotéis e Similares de São Paulo (SinHoteis-SP). Com cerca de 100 mil leitos, a capital paulista, coração corporativo do Brasil, não teve acréscimo significativo de capacidade com a Copa devido à existência de um parque hoteleiro consolidado, diz Carvalho. Os hotéis mais antigos, porém, passaram por reformas.