O escândalo que estremece a república desde a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista também joga desconfiança sobre o futuro da JBS e pode acrescentar mais um nome à lista das empresas campeãs nacionais que passam por aperto. Do grupo que ficou conhecido nos últimos anos por crescer de forma acelerada com apoio do governo, principalmente via BNDES, com crédito abundante e aportes que viraram participação acionária do BNDESPar, a maioria anda mal das pernas. A telefônica Oi e a LBR, do setor de lácteos, por exemplo, tiveram de se agarrar à recuperação judicial, e o frigorífico Marfrig amontoa prejuízos.
Na sexta-feira, a presidente do BNDES, Maria Silva Bastos Marques, alvo de pressão de empresários para liberar mais empréstimos, pediu demissão alegando "razões pessoais".
A JBS, catapultada à condição de líder mundial em carnes, era, até agora, a maior expoente do time de escolhidas para formarem a linha de frente do capitalismo brasileiro, capazes de concorrer de forma global. A delação premiada desnuda que o aparente sucesso não foi fruto só de competência empresarial. Embora não exista consenso na nominata das companhias selecionadas para a controversa estratégia aplicada nos governos do PT, a situação das mais citadas reforça as críticas à política de campeãs nacionais.
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O caso de maior repercussão, até o momento, era o da Oi. Escolhida para ser a supertele nacional, protagonizou em 2016 o fiasco de deter o recorde de maior processo de recuperação judicial do país, com dívida de R$ 65 bilhões, considerada impossível de ser paga.
Fruto da fusão da gaúcha Bom Gosto com a LeitBom, a LBR Lácteos surgiu com a promessa de ser a líder em setor que o Brasil parecia ser candidato nato à condição de player mundial. Também recorreu à recuperação judicial em 2013, com dívida de R$ 1 bilhão. Principal concorrente da JBS, o frigorífico Marfrig recebeu R$ 3,6 bilhões do banco de fomento, mas acumula prejuízo de R$ 4,7 bilhões nos últimos seis anos e tem recorrido à venda de ativos para ganhar fôlego.
Das empresas em geral mais relacionadas entre as campeãs nacionais, a fabricante de celulose Fibria pode ser considerada exceção pelos resultados sólidos. Porém, foi mais socorro do que escolha de uma empresa que brilharia em nome do Brasil (leia quadro ao lado).
Especialistas concluem que, apesar de a estratégia não ser excentricidade brasileira, teve problemas de aplicação no país e não gerou resultados em termos de desenvolvimento, crescimento econômico e emprego.
Coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, Paulo Furquim de Azevedo avalia que a forma como foi usada essa política no Brasil, país com tradição de promiscuidade entre público e privado, abre espaço para interesses escusos, como os agora vistos na JBS.
– Como foi feito, é discricionário, porque decide a sorte ou o fracasso de empresas – diz.
O professor de finanças Marcos Melo, do Ibmec do Distrito Federal, afirma que a intenção de inflar artificialmente companhias no país não deu resultado.
A fórmula tupiniquim, diz Melo, gera risco de empresas que buscam eficiência acabarem alijadas do mercado por não estarem entre as eleitas do poder:
– Um governo passar recursos para uma empresa se tornar maior e depois receber parte de volta é errado. E causa desequilíbrio no mercado, pode prejudicar quem é mais eficiente, tem melhor produto e corpo técnico, mas não tem proximidade.
Para Arthur Barrionuevo, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, um dos problemas é a grande concentração de crédito nas mãos de só um agente, o
BNDES, com poder de emprestar a taxas subsidiadas, a falta de competição entre bancos privados para atuarem em crédito de longo prazo e o mercado de capitais pouco desenvolvido para as empresas se financiarem.
O resultado, avalia, é a postura de companhias muitas vezes mais interessadas em buscar favores em vez da eficiência da operação.
Situação das empresas
Oi
Escolhida para ser a supertele brasileira, a companhia telefônica Oi entrou para a história corporativa nacional como protagonista, no ano passado, do maior processo de recuperação judicial do país, com passivo de R$ 65,4 bilhões.
Agora, sofre até ameaça de intervenção pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
A empresa foi fartamente apoiada por recursos de bancos públicos e fundos de pensão de estatais desde o governo FHC.
O primeiro episódio fundamental para o naufrágio foi a compra da Brasil Telecom (BrT), em 2008, na administração Lula.
Além de se endividar para fazer o negócio, depois de fechada a aquisição foram descobertos esqueletos que dobraram o passivo da companhia, para quase R$ 22 bilhões.
A situação se agravou de vez com a novela da fusão com a Portugal Telecom.
Em meio às negociações, a Oi levou uma rasteira dos sócios portugueses que compraram créditos podres do Banco Espírito Santo (BES), maior instituição financeira privada de Portugal.
Em dificuldades financeiras, o BES deu calote e acabou resgatado pelo governo lusitano.
O negócio fez crescer em R$ 20,1 bilhões o endividamento da telefônica no balanço do segundo trimestre de 2014, chegando a R$ 52,2 bilhões.
Conflitos societários, descontinuidade e troca constante de gestores contribuíram para desestabilizar a empresa.
LBR
Nasceu em 2010 com a fusão da gaúcha Bom Gosto com a LeitBom, controlada pela Monticiano Participações, que tem como acionistas a GP Investimentos e a Laep, então dona da Parmalat no Brasil.
A ideia era promover a consolidação do setor, criando um grupo mais forte.
A própria Bom Gosto vinha de crescimento expressivo em anos anteriores por meio de aquisições.
Pediu recuperação judicial em 2013, com dívida de R$ 1 bilhão, quando era a líder do setor de lácteos no país, com capacidade para produzir 2 bilhões de litros/dia, 5 mil funcionários e uma cadeia de mais de 56 mil produtores.
A empresa culpou o clima, que restringiu a produção de leite no campo e, ao mesmo tempo, elevou o preço dos grãos, causando aumento do custo de aquisição da matéria-prima, além de dificuldade de obter financiamento para manter compromissos.
O BNDES teve de reconhecer perda de R$ 700 milhões com o negócio.
A empresa precisou vender a maioria de seus ativos para diminuir o endividamento.
JBS
O grupo partiu de um faturamento de R$ 4 bilhões em 2006 para R$ 170 bilhões no ano passado, com a aquisição de uma série de empresas no Brasil, em outros países da América do Sul, nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália, tornando-se a maior processadora de proteína animal do mundo.
Apenas no final da última década, quando o grupo dos irmãos Batista iniciou o processo mais acelerado de crescimento, o BNDES injetou R$ 8,3 bilhões no grupo com a aquisição de ações e ainda emprestou outros R$ 2 bilhões.
A holding da família, a J&F, também foi beneficiada com investimento pesado para a criação da Eldorado Celulose, no Mato Grosso do Sul.
As operações são alvo de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal por suspeitas de que a liberação dos recursos seria associada a vantagens indevidas pagas a políticos.
Marfrig
A Marfrig recebeu R$ 3,6 bilhões do BNDES, que hoje tem 32% do capital da empresa, mas acumula prejuízos desde 2011 da ordem de R$ 4,7 bilhões.
Ao final do ano passado, o endividamento era de US$ 3,4 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões).
O segundo maior frigorífico de bovinos do Brasil também foi uma das empresas eleitas para ser um player internacional, mas os planos começaram a ser abortados no meio do caminho devido ao alto endividamento.
Teve de encolher para sobreviver. Para isso, a empresa se lançou em um programa de venda de ativos.
Vendeu em 2013 a Seara, por R$ 5,85 bilhões, para a JBS. Em 2015, também repassou para a concorrente, por US$ 1,5 bilhão, a Moy Park, da área de frangos e processados, na Europa. No ano passado, desfez-se de negócios na Argentina.
Na busca por captar dinheiro, quer abrir o capital nos Estados Unidos de sua subsidiária local, a Keystone Foods.
Fibria
Empresa em melhor situação entre as listadas como as campeãs nacionais do BNDES.
Nasceu a partir de um socorro que levou à fusão da Votorantim Celulose e Papel (VCP) e a Aracruz – esta, abatida pela crise mundial de 2008, pelos chamados derivativos cambiais, devido à disparada do dólar.
A nova empresa levou um passivo de US$ 2,13 bilhões da Aracruz. O BNDES tem 29,08% do capital, enquanto o grupo Votorantim detém 29,42%.
Para se reestruturar, a Fibria vendeu ativos, como os negócios relacionados à unidade de Guaíba para a chilena CMPC, em 2009, por US$ 1,43 bilhão.
Em 2012, repassou as florestas no sul do Estado do antigo Projeto Losango, também para a CMPC.
Em outros negócios, desfez-se de florestas em diversos Estados e fábricas de papel, concentrando-se em celulose.
Depois dos primeiros anos desafiadores, acumula lucro de R$ 2,88 bilhões nos últimos três exercícios.