O presidente Michel Temer tenta contornar a saia justa criada dentro do governo, entre Ministério da Agricultura e Polícia Federal (PF), em decorrência da Operação Carne Fraca. O ministro Blairo Maggi, reforçado por entidades do agronegócio e pela bancada ruralista, acusa a polícia de exageros na ação. Os investigadores se defendem e garantem que as críticas tentam tirar o foco da ingerência política nas nomeações para cargos no ministério, o que facilitaria fraudes na fiscalização.
No domingo, Blairo e Temer tiveram reunião tensa com o diretor-geral da PF, Leandro Daiello. O ministro apontou "falta de amparo técnico" na ação, com erros de interpretação nas escutas dos diálogos dos suspeitos. A irritação do ministro tinha motivo. Ele sabia da iminência da suspensão temporária das importações de carne brasileira nos principais mercados consumidores. Blairo foi ríspido ao condenar uma suposta "espetacularização" da Carne Fraca. A mesma cobrança partiu de Temer.
Pressionado, Daiello alertou que ainda há muita investigação por vir e que parte do material apurado segue em sigilo. Nesta segunda-feira, em Curitiba, berço das investigações, policiais falaram apenas reservadamente. Entendem que o governo "está se precipitando" e que "as críticas em breve serão superadas" com a apresentação de novas provas.
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Os interrogados começam a admitir irregularidades. Mais do que isso: um fiscal, enquadrado em oito crimes e próximo à aposentadoria, já se ofereceu para fazer delação premiada. O risco de um delator já é comentado pela bancada ruralista, em especial por parlamentares de PP e PMDB, partidos que dominam há décadas o Ministério da Agricultura, e do PTB. O temor é de uma "Lava-Jato da carne", com parte da apuração no Supremo Tribunal Federal (STF).
Inquérito descreve especialmente propina
O inquérito da PF, de 348 páginas, é baseado em denúncias, depoimentos, escutas telefônicas e campanas que geraram flagrantes de corrupção. O documento explica que a apuração foi aberta porque um servidor público informou sobre uma fraude no fornecimento de merenda escolar no Paraná. Na sequência, o inquérito lista dezenas de fiscais do ministério e, a partir do relacionamento deles com funcionários e representantes de empresas, foram desveladas condutas criminosas.
Embora empenhado em superar o episódio, o governo federal terá dificuldade para rebater pontos robustos do inquérito. Ficou claro que fiscais do Ministério da Agricultura cobravam e recebiam propina, seja em dinheiro ou em presentes. Pessoas ligadas às empresas detinham senhas de uso exclusivo de fiscais e emitiam relatórios de sanidade. Flávio Evers Cassou, funcionário da Seara, do grupo JBS, foi filmado por policiais entregando uma caixa de isopor na casa de Maria do Rocio, servidora que ocupou cargos de chefia na superintendência da Agricultura no Paraná. O recipiente conteria dinheiro de propina. Em áudio capturado, Maria confirmou ter conferido o conteúdo, que eles chamaram de "dedos". Seria um código para verba ilícita.
Roney Nogueira, gerente da BRF, atuou para impedir medidas restritivas contra uma planta da multinacional em Mineiros (GO) após problemas serem detectados em inspeção. Ele esmiúça o assunto, inclusive sobre como recompensar pessoas ligadas ao ministério, com o diretor da BRF André Baldissera. Os dois foram presos.
Zero Hora conversou com pessoas que tiveram acesso a Blairo e a Daiello. Assim como fez na entrevista coletiva, o ministro criticou duramente os comentários de que haveria papelão na carne. Agentes que participaram da operação admitem a chance de ter ocorrido engano na interpretação. Os grampos que falam em "colocar papelão" tratariam de "colocar em papelão" a carne moída, ou seja, embalar o produto.
Ministro cobra maior participação da pasta
Blairo defendeu que técnicos do ministério deveriam ter sido chamados, antes da operação ser deflagrada, para a esclarecer os diálogos interceptados e dizer o que pode ou não ocorrer na indústria da carne. Daiello lembrou que, entre os 75 peritos federais envolvidos na ação, há nomes com formação em veterinária. Ele considerou o pedido do ministro impróprio, já que os maiores suspeitos de cometer crimes são servidores da pasta e o risco de vazamento era grande.