Mergulhada em crise financeira, a prefeitura de Porto Alegre teve de gastar R$ 660 milhões para cobrir o rombo na Previdência do município em 2016. O valor é quase duas vezes e meia ao aplicado em investimentos (R$ 256,6 milhões) no ano passado e tende a ser ainda maior em 2017 – atingindo R$ 700 milhões. Além disso, terá de pagar a sua parcela legal no sistema, que em 2016 foi de cerca de R$ 270 milhões.
Desde de 2001, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da Capital é composto por dois planos. Um deles, chamado de Previmpa-RS, contempla os servidores mais antigos, admitidos até setembro daquele ano, e funciona em regime de repartição simples – sem o objetivo de acumular recursos. Ou seja, o montante arrecadado deveria ser suficiente para bancar todos os benefícios, mas não é o que acontece porque há menos contribuintes do que favorecidos.
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Os funcionários contribuem com alíquota de 11% e a administração municipal, com 22%. Mas, na prática, o Executivo acaba desembolsando mais ano a ano, por ter a obrigação legal de cobrir o que falta. Como são 9,9 mil ativos e 13,4 mil inativos, os números não fecham.
Em razão desse desequilíbrio, os benefícios a serem pagos no futuro (até a extinção do plano) tendem a superar em R$ 31,9 bilhões a soma das contribuições – a essa cifra, os técnicos dão o nome de déficit atuarial. As despesas devem seguir crescendo até 2027, o que preocupa a equipe do prefeito Nelson Marchezan (PSDB).
O outro plano vigente, batizado de Previmpa-CAP, passou a contemplar os funcionários que ingressaram no quadro a partir de setembro de 2001 e funciona em regime capitalizado – uma forma de turbinar as receitas e, assim, desobrigar o Executivo de cobrir as insuficiências.
Nesse caso, os empregados também colaboram com 11%, e a prefeitura entra com duas alíquotas: a normal, de 18,97%, e a suplementar, de 5,17%, instituída em 2013 para amortizar o déficit atuarial projetado (valor que viria a faltar no futuro), de R$ 462,9 milhões. Como existem 6,6 mil ativos para apenas 128 inativos, o saldo é positivo.
– A situação de Porto Alegre é menos complicada do que a do Estado, porque o Piratini só criou fundo de capitalização em 2011, e a prefeitura fez isso 10 anos antes. Ainda assim, o quadro preocupa, tanto no presente quanto no futuro. O dinheiro que temos de aportar faz e continuará fazendo falta em outras áreas – afirma o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Maranhão Busatto.
Exemplo disso é o atraso nos pagamentos a fornecedores do Executivo, estimado em R$ 139 milhões no fim de 2016. O passivo estaria quitado, se a prefeitura não tivesse de cobrir o buraco da Previdência.
Reforma em debate não traz solução definitiva
Desde que assumiu o cargo, no início do mês, Busatto se reuniu duas vezes com técnicos do Departamento Municipal de Previdência dos Servidores do Município (Previmpa) para avaliar possíveis soluções – incluindo o aumento da alíquota paga pelos funcionários públicos. No Estado, por exemplo, o percentual é de 14%.
– Temos conversado para definir o que fazer e como fazer. Isso também vai depender dos rumos da reforma da Previdência no Congresso – complementa Busatto.
Se for aprovada sem alterações, a reforma provocará mudanças não só em Porto Alegre, mas em todos os municípios e Estados brasileiros. Um dos principais impactos, na avaliação do diretor administrativo-financeiro do Previmpa, Rodrigo Machado Costa, decorrerá da instituição da idade mínima de 65 anos para a obtenção do benefício. Hoje, a idade média de aposentadoria do quadro de pessoal da Capital é de 56 anos. Ou seja: as pessoas terão de trabalhar mais até se retirar.
– Caso a alteração se confirme, o Previmpa-CAP, que tem servidores com média de idade de 39 anos, deixará de registrar déficit atuarial, e a alíquota complementar irá se tornar desnecessária – diz Costa.
No Previmpa-RS, o provável impacto dessa modificação será menos abrangente. Isso porque a maioria dos servidores já tem mais de 50 anos e entraria nas regras de transição. Projeções indicam que o último servidor a se aposentar nesse grupo assinará os papéis somente em 2042, e o plano só deverá ser extinto em 2100.
Situação no interior do Estado também é crítica
Estudo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) indica que a situação dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos municípios do Rio Grande do Sul é tão preocupante como a de Porto Alegre. Com base em dados de dezembro de 2013, o TCE concluiu que pelo menos 90% dos 320 RPPSs existentes (nem todas as cidades mantêm regimes próprios) apresentavam déficit atuarial à época.
Com a crise nas finanças e o aumento do número de beneficiários, o quadro pode ter se agravado ainda mais. Em 2013, 42% dos regimes contabilizavam, no máximo, seis servidores ativos para cada inativo, e em 29% deles o valor do déficit atuarial ultrapassava a receita corrente líquida em mais de 100%, indicativo de risco para a sustentabilidade do sistema.
Conforme a auditora Aline Michele Buss Pereira, atuária responsável pelo estudo, o problema não é exclusividade do Estado:
– A situação se repete em todo o país. Pelas regras do Ministério da Previdência, o prazo para amortizar o déficit atuarial é de, no máximo, 35 anos. No caso do Rio Grande do Sul, a maioria dos municípios já adotou medidas de amortização.
Piratini prevê para 2017 déficit de R$ 9,5 bilhões
Se os municípios enfrentam problemas com a Previdência, o caso do Estado é ainda mais grave. Dados preliminares da Secretaria da Fazenda indicam que o governo estadual fechou 2016 com rombo próximo de R$ 8,8 bilhões, recorde histórico. Para 2017, a estimativa é pior: R$ 9,5 bilhões.
Segundo boletim publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) no ano passado, o Rio Grande do Sul soma o pior saldo no pagamento de aposentadorias em comparação com a receita ou com o tamanho da população. Um dos reflexos disso é a queda na capacidade de investimento – como precisa transferir dinheiro do caixa para quitar os benefícios, o governo fica com menos verba para outras áreas.
Uma das causas do problema é a crescente diferença entre o número de servidores na ativa, que financiam o sistema, e o de inativos, que dependem dele. Atualmente, existem 139,1 mil ativos para 197,8 mil aposentados e pensionistas.
As principais medidas para amenizar o desequilíbrio foram a criação do fundo de capitalização, em 2011, e da previdência complementar, em 2015. Só que essas regras valem apenas para novos servidores e levarão décadas até terem efeito. O déficit só começará a cair a partir de 2023.