A 350 quilômetros de Erechim, no noroeste do Estado, Santa Rosa vive um momento de otimismo, depois de um 2015 difícil. Sem grandes sequelas, a crise ficou para trás, e os sinais da retomada são visíveis.
Empreendimentos imobiliários seguem em construção, loteamentos ganham forma nas cercanias da cidade, empresas investem em novos nichos de mercado e uma nova praça, aberta ao longo de uma antiga linha férrea abandonada, está em fase de conclusão, com ciclovia e equipamentos para a prática de exercícios físicos.
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Erechim: onde a crise persiste
Da zona rural, veio a gordura necessária para que a área urbana conseguisse suportar os efeitos da recessão, incluindo o comércio e os serviços.
– As últimas safras foram positivas, e os preços também se mantiveram bons, o que beneficiou a todos – afirma José Vanderlei Battirola Waschburger, gerente-adjunto da Emater no município.
Em Linha Boa Vista, o casal de agricultores Rudi Ergang, 58 anos, e Isonia Matter Ergang, 54 anos, contribuiu para o resultado. Em parceria com um irmão e um sobrinho de Rudi, eles plantaram 85 hectares de soja em 2015 e colheram cerca de 4 mil sacos da leguminosa, com valor estimado em R$ 250 mil.
– O clima ajudou, e nunca produzimos tanto – conta o agricultor.
Graças à atividade agrícola, ele e a mulher têm uma casa com piscina, ladeada por um jardim delicado, repleto de orquídeas, além de dois carros e uma moto na garagem. Criam 10 cabeças de gado, cultivam hortaliças para consumo próprio e têm uma parreira no quintal. Não pensam em deixar a vida no interior. Pela janela, observam com gosto o trigal dourado em gestação, prestes a ser colhido.
– Se depender de nós, ficamos aqui até quando der – diz Isonia.
Além das culturas da soja, do trigo e do milho, Santa Rosa conta com outros dois ramos importantes de produção: o leite e a suinocultura. No caso da bacia leiteira, o produto garante renda extra para os colonos, com produção média de 80 mil litros por dia, e tem destino certo. Parte vai para a Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL), que dobrou a capacidade de processamento em sua unidade em Cruz Alta, a 140 quilômetros, e parte segue para a francesa Lactalis. A multinacional acaba de confirmar ao governo do Estado investimento de R$ 104 milhões na ampliação de suas unidades no Rio Grande do Sul, uma delas em Santa Rosa.
Quanto à criação de suínos, o quadro também é positivo. Com 1,7 mil empregos diretos, cerca de 800 produtores integrados e capacidade para abater de 3 mil a 5 mil animais por dia, a Alibem Alimentos se transformou em uma potência regional. A expectativa, anunciada este mês no Salão Internacional de Alimentos, em Paris, é de que a companhia encerre 2016 com faturamento de R$ 1,6 bilhão, quase 7% acima do registrado em 2015, graças às exportações para a Rússia e a China.
– Essa diversificação é o nosso grande trunfo, porque, se um setor não vai bem, os outros seguram – conclui o empresário Artur Lorentz, presidente da Agência de Desenvolvimento do município.
Aprendizado e mudança
Até a década de 1990, recorda o secretário de Desenvolvimento Sustentável de Santa Rosa, Marcos Paulo Scherer, o município enfrentou episódios similares ao que hoje acomete a população de Erechim.
– Éramos muito dependentes de uma grande empresa do setor metalmecânico, e essa situação acabou forçando uma mudança, que começou há 20 anos e que de certa forma explica por que, hoje, não sentimos tanto a crise quanto outros locais – diz Scherer.
Prefeito à época, o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, conta que, quando assumiu a prefeitura, em 1993, Santa Rosa beirava os 7 mil desempregados. Em busca de uma saída, ele decidiu recorrer à Iochpe-Maxion, a principal fábrica de máquinas agrícolas instalada no município, que depois seria adquirida pela AGCO – cuja planta, hoje, produz colheitadeiras das marcas Massey Ferguson e Valtra.
– A Iochpe-Maxion comprava 80% das peças que precisava em São Paulo. Sugerimos, então, que esses materiais passassem a ser feitos em Santa Rosa mesmo, por empresas locais, e eles toparam – relembra Terra.
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A partir daí, com apoio da gestão municipal e da própria indústria, surgiram pequenos empreendimentos que assumiram a demanda e absorveram a mão de obra excedente. Aos poucos, para não ficarem totalmente atrelados à AGCO, a maioria deles passou a buscar mercados fora da cidade e a apostar na produção paralela de outros produtos e materiais.
Exemplo disso é a Fratelli Indústria Metalúrgica e Energias Renováveis. Com 30 anos de atuação, a empresa cresceu fabricando componentes para a AGCO e a John Deere (de Horizontina), mas também se especializou na criação de esquadrias de alumínio e, nos últimos anos, decidiu apostar em aerogeradores e painéis solares. Até agora, investiu R$ 5 milhões, metade do faturamento anual, que espera ampliar em 30% a partir deste ano.
– Percebemos que era preciso encontrar alternativas para a sazonalidade da safra e vimos na energia renovável um grande potencial. Os resultados já começaram a aparecer. Agora, estamos em processo de certificação para entrar no Mercosul – conta Moacir Antonio Locatelli, 64 anos, sócio-administrador da Fratelli.
O pavilhão destinado ao negócio lembra um laboratório de alta tecnologia e tem, entre seus funcionários, estudantes de engenharia de universidades da região. Para dar visibilidade aos produtos, Locatelli passou a espalhar exemplares pela cidade. Ao lado de sua casa, um gerador de energia eólica e uma árvore de metal formada por painéis solares viraram ponto de visitação.
– É um divisor de águas em Santa Rosa. Há alguns anos, tínhamos apenas a soja. Depois, veio a abertura do setor metalmecânico e, agora, estamos criando uma nova perspectiva para a cidade e para parceiros locais – diz Márcio Hübner, 39 anos, coordenador de projetos da Fratelli.
Eles adotaram Santa Rosa
Com 500 funcionários diretos, a AGCO continua sendo a principal empresa de Santa Rosa e uma espécie de patrimônio para a cidade. Em 2015, em razão da retração da economia e da queda nas vendas de colheitadeiras, a planta local teve de reduzir o ritmo de trabalho. Cerca de 150 pessoas foram demitidas. Também houve demissões em algumas das empresas fornecedoras, mas a avaliação é de que o problema foi pontual e está superado.
– Praticamente todos os trabalhadores foram recontratados e uma parte migrou para outros setores, inclusive para o frigorífico da Alibem. Vivemos uma retomada – diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Santa Rosa, João Roque dos Santos.
A empresa produz, em média, 60 colheitadeiras por mês, além de fornecer equipamentos para outras plantas do grupo. Segundo a gerente de Recursos Humanos da unidade, Débora Krummenauer, o mercado está em recuperação. Funcionários transferidos recentemente para Santa Rosa, como André Ricardo Segala, 40 anos, e Anderson Comin, 38 anos, confirmam e não pensam em ir embora.
Supervisor de manufatura, Segala chegou ao município há seis meses, com a mulher e a filha recém-nascida. Antes, havia atuado em Canoas e Ibirubá.
– Fomos bem recebidos e nos sentimos seguros aqui. É um bom lugar para se viver. Já estamos procurando apartamento para comprar – conta Segala.
Analista de qualidade, Comin chegou há seis anos, depois de passar por Erechim e Veranópolis. Ele e a mulher já tiveram um filho na cidade e planejam o próximo:
– Aqui temos qualidade de vida. Não só queremos ficar, como aumentar a família.
Para atender a esse tipo de demanda, novos prédios estão sendo erguidos na zona urbana. Mesmo com a crise, que atingiu em cheio o setor imobiliário no Estado, o empresário Jaime Mattiazzi, da Mattiazzi Construções e Empreendimentos, decidiu dar continuidade a obras em andamento em Santa Rosa.
Ele conta que foi preciso reduzir o ritmo, mas mantém a previsão de entregar no final do ano um prédio residencial com 39 apartamentos e, em março de 2017, um segundo edifício, com 40 unidades. Para 2019, sua grande aposta é um novo projeto já lançado, de alto padrão, batizado de Tower Center, com lofts duplex e apartamentos com duas e três suítes.
– Será algo diferenciado, inédito na cidade. Até agora, temos 55% das unidades comercializadas – afirma Mattiazzi.
Para não parar de crescer
A receita de Santa Rosa para seguir imune a crises, na avaliação do prefeito reeleito Alcides Vicini (PP), é seguir diversificando atividades e incentivando pequenos e médios negócios.
– Não adianta a gente querer atrair grandes empresas, porque é difícil elas virem para cá. Estamos longe de tudo. Temos de estimular quem já está aqui e sonha abrir um negócio. É o que estamos fazendo – diz Vicini.
O secretário municipal de Desenvolvimento Sustentável, Marcos Paulo Scherer, destaca um projeto em andamento, realizado em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que tende a render bons resultados. Hoje, segundo ele, 60% das compras da prefeitura envolvem empresas locais. A intenção é chegar a pelo menos 90%.
– Isso vai representar cerca de R$ 100 milhões por ano circulando no município – estima Scherer.
Para o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, a garantia de um futuro sem sobressaltos depende da ampliação do aeroporto regional. A distância em relação aos grandes centros e a dificuldade de acesso a Santa Rosa impedem, na avaliação dele, a instalação de novos empreendimentos.
Segundo Terra, o terminal local estará no PAC da Aviação Civil, a ser anunciado ainda neste ano pelo governo federal. Ele também trabalha pela criação do Fundo de Desenvolvimento da Bacia do Rio Uruguai, que deve beneficiar toda a região.
– Santa Rosa vai bem, mas o esforço deve ser permanente. Se não solucionarmos esse problema logístico e não viabilizarmos recursos para atrair investimentos, a cidade pode definhar – avalia Terra.
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