O setor mais atingido pela recessão nos últimos dois anos começa a dar os primeiros sinais mais consistentes de melhora. O avanço da produção em julho em relação a junho – o quarto resultado mensal positivo seguido – indica, para economistas, que o pior da crise pode, finalmente, ter ficado para trás. Para empresários, é o vislumbre de um segundo semestre mais promissor.
O otimismo ainda é contido, mas já pode ser sentido nas sondagens de confiança, que vêm crescendo nos últimos meses, e no discurso em feiras segmentadas. Se a cautela alerta que ainda é cedo para falar em retomada, o consenso é de que já se pode dizer que "parou de piorar".
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Em alguns casos, há até retomada de investimentos. É o caso da Meber, empresa do ramo de metais sanitários em Bento Gonçalves, que investiu R$ 1,5 milhão na compra de equipamentos para modernização da linha de torneiras de cozinha.
A decisão, tomada no início do segundo trimestre, foi baseada na crença de que não seria prudente esperar dois ou três anos – período estimado, pelo diretor da companhia, Carlos Bertuol, para que as vendas retornem a patamares de 2014 – para modernizar a linha de produção. Representou uma virada importante depois de se ver obrigado a fazer corte de 10% no quadro de 250 funcionários em 2015.
– Não significa que não estejamos sentido os efeitos da recessão. Pelo contrário. Ainda estamos adotando flexibilização de jornada, por exemplo, e as vendas estão lentas. Mas é um começo – relata Bertuol, explicando que 95% da produção é destinada ao mercado brasileiro.
A compra dos equipamentos para instalar a nova linha na fábrica foi feita na Itália – líder mundial no segmento – e em Caxias do Sul. É a volta do investimento da indústria ajudando a reativar o setor fabril. Foi influenciada, justamente, pelo bom desempenho do segmento de bens de capital (máquinas e equipamentos usados na produção de outros bens), que a indústria conseguiu interromper sequência de oito trimestres seguidos de queda e voltou a crescer entre abril e junho de 2016.
Para a economia gaúcha, o resultado é duplamente positivo. Primeiro, pelo efeito multiplicador – ao comprar equipamentos, uma empresa sinaliza a intenção de produzir mais e demanda a produção de outras. Segundo, porque o segmento tem grande relevância no Rio Grande do Sul.
Considerado um termômetro para a economia, o desempenho dos bens de capital é importante porque a indústria só produz se tiver confiança de que, no futuro, conseguirá vender seus bens. Mais produção também significa, em algum momento, mais empregos.
– Nossa perspectiva é de que as coisas comecem a melhorar com mais força a partir de setembro. O agronegócio vem de boas safras e não comprou muito no último ano. Vai precisar renovar a frota. Mas ainda é cedo para falar em abertura de vagas, isso provavelmente fica para o próximo ano – afirma Nelson Sbabo, presidente do conselho executivo da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC), lembrando que a região da Serra fechou mais de 20 mil vagas de trabalho na indústria desde 2014.
Desafio de recompor cadeias produtivas
Um fator determinante para uma recuperação mais expressiva passa pela retomada da indústria automotiva, que representa quase um quarto da cadeia produtiva de todo o setor no país. No Estado, o cenário não é diferente. A produção de veículos pesados tem grande peso nos negócios gaúchos.
– Caímos 38% nesse segmento em 2015 e mais 33% de janeiro a junho. Em julho, ao que parece, parou de cair, o que já parece ser uma grande coisa. Agora, precisamos olhar os estragos deixados pelo vendaval. O processo de desindustrialização foi significativo. Algumas cadeias de fornecedores desapareceram, obrigando-nos a importar mercadorias a um preço mais alto – conta o diretor-presidente da Agrale, Hugo Domingos Zattera.
Com o mercado brasileiro fragilizado, as empresas têm mirado cada vez mais o Exterior. Mas a variação cambial também assusta. Na sexta-feira, o dólar chegou a R$ 3,1691, o menor valor de fechamento desde 16 de julho de 2015. Na semana passada, a moeda americana recuou 2,28%, acumulando no ano queda de 19,73%.
Especialista em câmbio, Sidnei Moura Nehme, diretor executivo da NGO Corretora, alerta que a iniciativa privada deve enfrentar um momento confuso nesse mercado nos próximos meses. A apreciação do real, segundo Nehme, é reflexo de ação do governo e não de uma lógica de mercado, o que prejudica ainda mais qualquer tentativa de previsibilidade.
– O Banco Central tem atuado de forma discreta no mercado de câmbio para não provocar danos aos especuladores com a moeda, mas causa forte desalento à indústria exportadora, que perde capacidade competitiva. O fato é que não houve, até o momento, mudanças no país que justificassem essa retração do dólar, tornando a projeção de investimentos muito mais complicada – afirma.