Após persistir em uma longa trajetória de queda iniciada no final de 2010, a bolsa brasileira experimenta em 2016 dias de euforia que começam a alimentar entre analistas a expectativa de uma reversão de ciclo. Amparados primeiro na mudança sinalizada com a troca no comando do Palácio do Planalto e depois com os sinais iniciais de estabilização da economia, investidores brasileiros e estrangeiros inverteram a mão e voltaram às compras.
No ano, o índice Ibovespa tem alta acumulada de 31,19% até 25 de julho. No mês, a valorização chega a 10,3% e as apostas indicam que há espaço para avançar mais até o final de 2016. Semana passada, engatou 10 pregões consecutivos de alta, o que não se repetia desde 2010.
Com a reconhecida capacidade de antecipação a mudanças na economia, o mercado financeiro fez o primeiro movimento forte na bolsa brasileira no início do ano, com a percepção de que cresciam as chances de impeachment de Dilma Rousseff. A troca de governo, avaliavam os investidores, significaria a possibilidade de sair mais cedo das crises política e econômica e uma gestão mais pró-mercado (como aceno para concessões e privatizações) e preocupada com o reequilíbrio das contas públicas.
Depois, houve um voto de confiança no governo interino de Michel Temer, alicerçado principalmente na boa aceitação da equipe econômica escalada pelo peemedebista, além de projeções menores para inflação, queda não tão aguda do PIB em 2016 e algum crescimento em 2017, expectativas também influenciadas pela melhora nos indicadores de confiança de empresários e consumidores.
– Aconteceu que caminhávamos, até o início deste ano, para o abismo. A mudança de governo alterou essa trajetória. Melhoram as expectativas, a economia parou de piorar e em algum momento vamos começar a apresentar crescimento – diz Frederico Sampaio, diretor de renda variável da Franklin Templeton, lembrando que essa mudança de cenário indica aumento do lucro das empresas no futuro.
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Embora o principal fator a impulsionar a bolsa brasileira seja interno, o Exterior também ajuda, avalia Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos. O especialista lembra que, com grandes economias diminuindo o crescimento, bancos centrais têm instituído até juro negativo e tentado revigorar a atividade com injeções de liquidez. Isso aumenta a disponibilidade de dinheiro e o apetite para investir em ativos de risco, em busca de maior retorno, como ações. Outro impulso veio do mercado americano, com os principais índices (Dow Jones e S&P 500, da bolsa de Nova York) renovando máximas históricas nas últimas semanas.
– No nosso relatório de maio, quando o Ibovespa estava em 48 mil pontos, dissemos que a bolsa poderia chegar no final do ano aos 60 mil pontos. Poderia chegar aos 70 mil se fossem encaminhadas ao Congresso algumas reformas – pondera Plácido.
Mesmo lembrando o risco de fazer previsões, Leandro Ruschel, diretor da Liberta Global, especializada em investimentos no mercado internacional, avalia que, se a bolsa brasileira mantiver o atual ritmo de alta, há potencial para alcançar os 64 mil pontos.
– Com o impeachment definitivo de Dilma cada vez mais provável, estabilização do cenário político com a montagem de uma equipe econômica muito competente e apresentando uma postura ortodoxa, os investidores enxergam luz no fim do túnel – observa Ruschel, lembrando a definição ainda pendente no Senado sobre o futuro de Dilma e Temer.
Celso Grisi, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que, em meio à euforia, é natural que o mercado passe por realização de lucros, com períodos de queda no Ibovespa, mas a tendência de médio prazo segue de alta.
– Com esse otimismo moderado, se não houver nenhum evento explosivo, poderemos chegar aos 67 mil pontos – projeta Grisi.
Para Sampaio, da Franklin Templeton, caso as expectativas em torno de medidas para o reequilíbrio fiscal se confirmem nos próximos meses, é possível ultrapassar os 65 mil pontos na Bovespa. A projeção, observa o executivo, se deve muito mais ao espaço para uma recuperação parcial da bolsa brasileira após o grande período de perdas – saiu de 73 mil pontos em 2010 para 37 mil no início de 2016 – do que para a certeza de um futuro brilhante pela frente.
Mercado alerta para cumprimento das promessas de Temer
As expectativas melhoraram, mas a confirmação do cenário mais benigno para o mercado acionário brasileiro ainda depende do cumprimento das promessas pelo governo interino de Michel Temer, lembram os especialistas ouvidos por ZH.
Ou seja, o crédito pode acabar. Para Celso Grisi, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP), o Palácio do Planalto precisa acelerar medidas para controlar gastos e encaminhar para o Congresso reformas estruturais, trabalhista e da Previdência, além de começar a colocar em prática concessões e privatizações.
Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos, também avalia que, por enquanto, o governo interino está recebendo do mercado o benefício da dúvida. Iniciativas duras e que possam causar maior chiadeira, aposta o especialista, estão à espera da confirmação do impeachment.
– Para fazer reforma fiscal, redução de gastos e tomar outras medidas impopulares, primeiro ele precisa ser efetivado no cargo – avalia Plácido.
Focar em reformas que comecem a retomar o equilíbrio das contas públicas, aumentem a eficiência da economia brasileira no longo prazo e elevem o potencial de crescimento do PIB brasileiro ao longo dos próximos anos será essencial para o mercado continuar acreditando no Brasil, avalia Frederico Sampaio, diretor de renda variável da Franklin Templeton.
– O governo Temer tem uma margem de manobra pequena para apresentar essas mudanças, mas até aqui tem dado fortes sinais positivos. Agora, é preciso mais ação e menos promessa – reforça Leandro Ruschel, diretor da Liberta Global.
O front externo também traz riscos para a bolsa brasileira, entre os quais, possível desaceleração mais brusca da economia chinesa, forte queda do mercado acionário americano por um suposto descolamento com a economia real e os efeitos colaterais da injeção de trilhões de dólares dos bancos centrais dos países desenvolvidos na economia nos últimos anos.