O caldo entornado da economia doméstica, a temperatura menor do crescimento chinês e outros ingredientes picantes como queda do preço do petróleo e valorização do dólar formaram uma receita indigesta para as grandes empresas brasileiras no primeiro semestre. Juntas, as 30 companhias de capital aberto com maior valor de mercado no país lucraram R$ 56,9 bilhões nos seis primeiros meses do ano, emagrecimento de 15,7% na comparação com o mesmo período de 2014.
O resultado somado do grupo de pesos-pesados foi afetado principalmente pelo mau desempenho das gigantes Vale e Petrobras. Enquanto a petroleira viu seu lucro diminuir R$ 4,5 bilhões, a mineradora teve de engolir prejuízo de R$ 4,39 bilhões.
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Favorecidos pela alta do juro, que costuma abatumar a economia, os bancos mais uma vez se beneficiaram. As quatro maiores instituições financeiras do país com ações na bolsa - Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander - engordaram o lucro em 30,4%, para R$ 32,5 bilhões. Sozinho, o quarteto foi responsável por quase 60% dos resultados do grupo de 30 companhias nos primeiros seis meses do ano.
- Esses vão muito bem, obrigado. O produto que eles vendem é dinheiro, que ficou mais caro - resume Fábio Abreu, sócio da PwC Brasil.
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Professor de finanças do Ibmec do Rio de Janeiro, o economista Gilberto Braga tem visão semelhante. Enquanto o segmento financeiro parece passar incólume, o segmento produtivo sofre mais.
- No setor real da economia, onde se produz e gera mais empregos, a situação está mais difícil - afirma Braga.
Resultado melhor em 17 balanços deste ano
Abreu lembra que, em regra, as razões que levaram grandes conglomerados a sentirem a crise são os mesmos que afetam a população e acabam se realimentando.
- Inflação e juros altos tiram renda das pessoas. O juro maior também reduz o crédito e a capacidade de consumo, o que se reflete na demanda das indústrias, que então precisam demitir. Isso gera um terceiro efeito no nível de emprego. Neste momento, vivemos o ápice desse círculo vicioso - avalia Abreu, da PwC Brasil.
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Apesar de a soma dos lucros das 30 maiores companhias ter definhado, isso não significa que a maior parte das empresas tenha apresentado resultados decepcionantes. Ao contrário. Buscando maior produtividade, explorando oportunidades em outros cantos do mundo ou mesmo aumentando vendas na contramão de seus setores, 17 companhias superaram as adversidades e conseguiram entregar um resultado melhor no primeiro semestre de 2015 - embora representem mais da metade da amostra, quantitativamente, movimentam menos recursos que as gigantes que azedaram o semestre.
O conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) José Luiz Amaral Machado entende que, com exceção do setor financeiro, há um ponto em comum entre as empresas que conseguiram vencer o quadro turbulento. Antevendo a retração dos negócios, adiantaram-se buscando reduzir custos e melhorar a eficiência de suas operações.
- As empresas se movimentam de forma diferente do governo. Sentindo o ambiente, se anteciparam - afirma Machado, do Cofecon.
Exportadoras podem se sair melhor
Sem indícios visíveis de reversão das crises econômica e política que sufocam o país e com poucas chances de o ambiente internacional desanuviar, os balanços das maiores companhias brasileiras ainda tendem a ser afetados no segundo semestre, avaliam especialistas. Se o cenário deve ser complicado para quem tem negócios centrados no mercado interno, as exportadoras têm chance de melhorar o desempenho, avalia Fábio Abreu, sócio da PwC Brasil. Ele observa que, apesar de a escalada do dólar ter sido um fator negativo em vários balanços nos seis primeiros meses do ano, caso a moeda americana se estabilize cria oportunidade de voltar a explorar o Exterior.
- A balança comercial começa a dar os primeiros sinais de recuperação. O Brasil estava há alguns anos com um nível de demanda tão grande que muitas empresas deixaram o mercado externo de lado. Isso demora para recuperar - avalia.
Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, faz uma ponderação. No caso das exportadoras, as perspectivas mais favoráveis são para setores de grãos, carnes e celulose, mas permanecem ruins para minério de ferro, o que afeta a Vale. Para os bancos, que se saem bem mesmo em períodos bicudos, um sinal de alerta para o setor pode ser o aumento da carga tributária ameaçado pelo governo na tentativa de melhorar a arrecadação - por ora, em banho-maria.
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Olhando em um horizonte mais largo, Abreu avalia ainda que, caso o governo federal persista com as medidas de austeridade fiscal e faça movimentos como uma reaproximação comercial com os Estados Unidos, há chances de um futuro melhor começar a se desenhar. Resta saber quando será este futuro. Para o conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) José Luiz Amaral Machado, a atividade só inicia a reação quando a crise política começar a se dissipar.