A colunista de ZH está em Atenas onde acompanha o plebiscito deste domingo e os desdobramentos da crise grega
O enunciado da pergunta do plebiscito que a Grécia realiza neste domingo é complexo, mas basta conversar (é preciso insistir um pouquinho) com os gregos para ver que eles sabem bem do que se trata. Por aqui, é comum associar o voto "não" a posições de esquerda e mais associadas a quem tem menos a perder, e o "sim" ao establishment, mas aí sim as coisas são mais complicadas. Até porque o partido de extrema-direita Aurora Dourada, por exemplo, pegou carona no "não" para sustentar seu discurso nacionalista. Ou seja, o plebiscito é sobre economia: aceitar ou não uma oferta de ajuda das instituições europeias e do FMI em troca de mais medidas de ajuste, ou seja, elevação de impostos, corte de salários e benefícios pagos aos mais pobres. Mas é sobre política que está se decidindo.
VÍDEO: Marta Sfredo comenta boca de urna em Atenas
Primeiro, os militantes. Mikael Sikas é agente de viagens e, segundo ele, cantor nas horas vagas. Nesta manhã de domingo fazia campanha pelo "sim" em frente à Primeira Escola Primária de Atenas, onde a reportagem passou algumas horas. Ele estava com dois companheiros, enquanto cerca de uma dezena de pessoas fazia boca de urna (sim, na Grécia, pode) pelo "não".
- Os gregos normalmente são conservadores, mas a situação está tão dura para viver, há tantos desempregados, que mesmo conservadores vão votar "não". Isso é suicídio, mas tem uma explicação: você vai morrer de qualquer jeito, então quer escolher a maneira de morrer - disse, tentando explicar a desvantagem numérica de apoiadores no local.
A poucos metros, quatro pessoas com adesivos e folhetos do "oxi" (não) dizem ser do agrupamento de extrema esquerda Antarsya. Um deles, Nikos Voultsos, expressa o grau de radicalidade do grupo:
- Queremos destruir a União Europeia, ao menos esta que existe. Queremos uma União Europeia das pessoas e dos trabalhadores.
Feita a frase de impacto, ele explica que não quer o acordo com a UE e o FMI porque essas instituições vêm mantendo uma política de austeridade há cinco anos, até agora sem resultados. Com formação em Música, acústica e tecnologia, Nikos está desempregado há quase dois anos. diz que recebe uma ajuda de custo de grupos políticos que apoia, mas não salário.
A primeira eleitora abordada pela reportagem prefere não dizer o nome, mas faz uma frase que ecoa a tese de Mikael:
- Votei "não" porque temos de resistir a toda essa pressão. Sei que isso implica risco, mas vale a pena aceitá-lo. Todas as decisões embutem um custo.
Para tentar equilibrar a cobertura, a reportagem aborda um senhor vestindo camiseta de grife tradicional. Surpresa 1: ele votou não. Athanasios Kast é professor de escola secundária e, por sua vez, ecoa a tese mais racional de Nikos:
- Estamos decidindo se queremos mais de um programa que existe há cinco anos, causou muito sofrimento, e nos deixou no mesmo ponto do começo.
GALERIA: gregos votam em plebiscito que define futuro do país
* Zero Hora
Os que votam "sim" são mais falantes. A médica Margari Roula avalia que a Grécia está em uma armadilha, e por isso qualquer alternativa será "muito difícil". Por que votou a favor da proposta de ajuda com mais arrocho? Porque quer permanecer na Europa. Não confia no discurso do primeiro-ministro Alexis Tsipras de que se o "não" vencer, ele terá mais força para negociar um acordo mais favorável à Grécia.
- Os políticos deveriam dizer a verdade. Isso não vai acontecer.
Gregos definem rumo do país para sair da crise
Marta Sfredo: todos somos gregos
É a mesma visão de Denis Markopoulos, servidor público aposentado. Diz que o argumento de Tsipras é lenda, e o que pode acontecer caso o "não" vença é o contrário: as instituições não vão oferecer mais, vão oferecer menos.
- Será que ninguém suspeitou ainda que a real meta deste governo é levar a Grécia para fora da União Europeia? - provoca.
Markopoulos disse que já foi ao Rio, teve uma má experiência (foi roubado no ônibus) e, na época, hospedou-se no antigo Méridién (hotel de luxo entre Copacabana e Leme, hoje com a bandeira Windsor).
- Eu tinha muito dinheiro, conheci mais de 140 países. Perdi milhões com a crise. Minha tragédia é que não posso mais viajar - conta.
Há situações muito mais trágicas no país onde se originou a palavra. E muitos gregos acham que a situação vai se agravar com qualquer resultado. Duas pessoas que não quiseram se identificar relataram ter votado em branco. Um homem, porque achou a consulta "idiota", já que não há, de fato, proposta sobre a mesa. Uma mulher, porque vê um "falso dilema" no plebiscito. Segundo ela, as duas respostas vão dar o mesmo resultado para as pessoas comuns. O que existe, afirmou, "é um jogo de políticos".