Mesmo firmada a mais de 7 mil quilômetros de distância, a compra anunciada nesta quarta-feira da britânica BG Group pela anglo-holandesa Shell, por US$ 69,9 bilhões, é um negócio em que o Brasil foi peça-chave. Para especialistas no setor de petróleo, a transação pode ser interpretada como uma voto de confiança no país e na viabilidade do pré-sal, com chances de ser positiva para a Petrobras.
No comunicado do anúncio da aquisição, a Shell ressaltou que, a partir do negócio, passa a ser a principal parceira da estatal brasileira e detentora de grandes reservas no país. Em relatório em que analisa a compra, o banco suíço UBS ressalta que a transação é uma espécie de aval para o Brasil, lembrando que 39% do valor patrimonial do BG está no país, em campos do pré-sal.
- Os maiores ativos que a BG tem no mundo são no Brasil e na Austrália. Se ela (a Shell) não acreditasse no Brasil, não compraria. Outra ótima notícia é que é uma parceira que detém tecnologia e capacidade financeira para investimentos - avalia Maurício Canêdo, especialista em petróleo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Canêdo entende ainda que, com o negócio, a empresa põe as fichas na viabilidade do pré-sal, que chegou a ser alvo de desconfiança devido ao alto custo de produção aliado à queda do petróleo.
- Com a queda do petróleo, o pré-sal ficou menos atrativo momentaneamente. Mas à medida que os preços se recuperarem, é das áreas mais viáveis do planeta. Mas só para grandes empresas - entende Haroldo Lima, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), referindo-se à necessidade de aportes pesados para exploração e produção.
Para Lima, como da aquisição resultará uma empresa ainda mais robusta, a nova companhia deve vir com mais força para os próximos leilões de blocos no país.
Negócio pode ajudar Petrobras
Para a Petrobras, considerada a petroleira mais endividada do mundo e atingida pelas consequências da Operação Lava-Jato, os reflexos também podem ser positivos. Para Carlos Müller, analista-chefe da Geral Corretora, como a estatal brasileira é a operadora dos blocos onde a Shell é sócia, seria uma demonstração de confiança na capacidade técnica.
Por outro lado, o UBS ressalta que, em meio às dificuldades financeiras, a Petrobras facilitaria uma possível busca por conseguir capital vendendo participações minoritárias em poços que têm concessão e também fatias dos direitos da extração de óleo e gás do pré-sal.
Embora a legislação diga que a Petrobras tem de ser a operadora no pré-sal, não há certeza de permanência do modelo.
- Existem informações de que esta situação pode cair porque isso exige muito caixa da Petrobras - observa Müller.
Para Canêdo, a recuperação da Petrobras também passam pelo fim da imposição de a estatal ter no mínimo 30% de participação e ser a operadora dos blocos.
- A Petrobras precisa de um grande plano de desinvestimento para encolher e ter dinheiro para andar ao lado da Shell no pré-sal - afirma Canêdo.
"Grande prêmio"
Publicação que nos últimos anos tem se notabilizado por reportagens críticas ao país, o Financial Times estampou nesta quarta-feira na capa de seu site que o Brasil foi o "grande prêmio" da Shell ao adquirir a concorrente BG. O periódico londrino ressaltou que, com a aquisição, a companhia passa a ser a maior empresa estrangeira no Brasil e se consolida como uma das mais valiosas no setor de petróleo no mundo.
BG Group
Terceira maior companhia de energia da Grã-Bretanha
Origem: britânica
Valor de mercado: US$ 46 bilhões
Principais ativos no Brasil: fatia de 25% no campo de Lula, no pré-sal na bacia de Santos, além de participação em outros como Iracema, Sapinhoá, Iara, Lapa, Abaré Oeste, Abaré, Iguaçu e Carioca
Royal Dutch Shell
Segunda maior petroleira do mundo
Origem: britânica e holandesa
Valor de mercado: US$ 202 bilhões
Principal ativo no Brasil: 20% do campo de Libra
Resultado da fusão no Brasil
A nova empresa passa a ser a maior sócia da Petrobras no pré-sal e segunda petroleira no país
A produção da nova Shell no Brasil é de 46,4 mil barris equivalentes dia de óleo. Da BG, de 137,2. Somadas, chegam a 183,6 mil
Espera-se que, no final da década, chegue 550 mil barris
A colunista Marta Sfredo explica o que o Brasil tem a ganhar com o negócio bilionário