Na sexta-feira, se completam 40 anos de uma data histórica para a indústria gaúcha e sua relação com o ambiente: o fechamento da fábrica da norueguesa Borregaard. Os moradores de Porto Alegre e Guaíba se livraram do cheiro de ovo podre que empestava a atmosfera ao ser expelido pela chaminé da Indústria de Celulose Borregaard. As narinas estavam tão irritadas e os protestos tão candentes que as autoridades não tiveram saída: inteditaram a empresa para garantir a saúde pública, abrindo mão de impostos e empregos. Quatro décadas depois, o que a maioria dos moradores de Guaíba e Porto Alegre festeja é uma reviravolta no caso: a ampliação da Celulose Riograndense, cuja unidade original funciona exatamente no mesmo local onde as portas da Borregaard foram seladas, representa o maior investimento privado da história do Estado.
No dia seguinte ao fechamento, 7 de dezembro de 1973, ZH dedicou toda a capa do jornal e mais três páginas internas ao episódio. Coube ao então secretário de Estado da Saúde e do Meio Ambiente, Jair Soares, fechar a Borregaard, inaugurada 20 meses antes. Foi à sede gaúcha da empresa - cuja matriz fica na Noruega - num flamante Dodge Dart preto, placa oficial número 032, e executou o seu poder de polícia sanitária. Na pasta, um laudo assinado pelo químico Millo Raffin atestava os perigos da contaminação.
- A Borregaard havia se transformado num drama para toda Porto Alegre - lembra Jair Soares, hoje com 80 anos.
Não faltaram negociações. Antes da interdição, a empresa norueguesa sofreu um auto de infração, ficando obrigada a instalar filtros antipoluição, os quais deveriam reter 90% das emissões. Mas venceu o prazo, 90 dias depois, e o odor continuou insuportável, especialmente quando o vento soprava de sul, leste e sudoeste. Dizem que a pestilência invadia até os salões do Palácio Piratini, onde o governador Euclides Triches acumulava reclamações.
A Borregaard trazia a esperança de prosperidade, mas se converteu em pesadelo. Multiplicavam-se os manifestos do "Assine contra o Fedor", que recolhiam adesões inclusive em restaurantes. Flávio Lewgoy, 87 anos, lembra que ingressou na lendária Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) para ajudar nas mobilizações.
- Era um cheiro sufocante, de ovo podre. Dependia da direção do vento, mas era permanente na zona sul da cidade - diz Lewgoy, professor aposentado de Genética da UFRGS.
Contemporâneo de José Lutzenberger, Lewgoy lembra que a Agapan, do qual é conselheiro, acompanhou as atividades das sucessoras da Borregaard - Riocell, Klabin e Aracruz. E seguirá monitorando a planta atual, da Celulose Riograndense, por entender que o tipo de indústria causa impacto ambiental.
- Embora não haja cheiro, a atmosfera será poluída por clorofórmio. Os ventos continuam os mesmos, substâncias tóxicas não podem ser emitidas - adverte o ambientalista.
A Agapan e suas pares também se preocupam com as plantações extensivas de eucalipto, necessárias para abastecer a fábrica. Lewgoy pondera que não é contra a indústria de celulose, pois a civilização não pode prescindir do papel, mas quer controles rígidos nas operações.
- O eucalipto pode continuar a devastação do pampa - alerta.
Tecnologia de ponta contra a poluição
A tecnologia utilizada pela Borregaard e outras empresas do setor na década de 1970, para produzir celulose e tratar as emissões aéreas e líquidas do processo, foi condenada por ser obsoleta. Herdeira do local onde operou a indústria norueguesa, em Guaíba, a Celulose Riograndense usa agora equipamentos de última geração para controlar os índices de poluição.
- Empregamos o que tem de melhor no mundo, e um pouco mais - garante o presidente da empresa, Walter Lídio Nunes.
A Celulose Riograndense toca o megaprojeto de ampliação da fábrica em Guaíba. São previstos R$ 5 bilhões até 2015, com planos de proporcionar de 5 mil a 7 mil empregos, a maior parte destinada a moradores da região.
Uma das preocupações com a sustentabilidade do projeto foi a de não trazer grandes contingentes de trabalhadores de fora do Estado. A produção de celulose deverá quadruplicar, alcançando 1,75 milhão de toneladas por ano. Walter Lídio assegura que a ampliação está guarnecida por cuidados ambientais.
- A tecnologia que usamos, atualmente, é diferente - assegura.
O dirigente afirma que a indústria de celulose evoluiu tanto na produção quanto na eficiência ambiental. Walter Lídio explica que as emissões de gases foram reduzidas ao mínimo e passam por uma sequência de filtros, assim como o manejo dos efluentes líquidos. Também se emprega menor quantidade de água na fabricação da pasta de celulose.
Quando anuncia que a Celulose Riograndense, do grupo chileno CMPC, vai além do que está disponível no mundo, Walter Lídio refere-se à prevenção para situações de emergência. Os sistemas de contenção serão duplicados e triplicados, para evitar acidentes.
- É no sentido de não causar nenhum desconforto à sociedade, mesmo que momentâneo - promete.
Depois da Borregaard
Com tecnologia moderna, Celulose Riograndense quase quadruplica a produção
Empresa ocupou lugar de antiga empresa norueguesa, a Celulose Borregaard
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