Um tipo de golpe bastante comum nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil pode estar de volta sob um formato mais sofisticado. Para o Ministério Público, algumas empresas que dizem atuar com venda direta por meio de marketing de rede serviriam de disfarce para esconder um elaborado esquema de pirâmide financeira, que é contra a lei. A primeira denúncia partiu do Acre, em junho. Segundo acusação do Ministério Público daquele Estado, a empresa Telexfree serviria de fachada para uma fraude milionária. A companhia mimetizaria a estrutura de empresas consideradas legais a fim de afastar suspeitas tanto das potenciais vítimas quanto das autoridades. E não seria a única.
- É mais sofisticado porque vai além da simples troca de dinheiro por dinheiro como era antigamente. Há a venda de bens ou serviços. No entanto, o produto é vendido bem acima do preço médio de mercado. O resultado é que só uma pessoa envolvida no esquema seria capaz de comprá-lo e o único modo de fazer dinheiro seria recrutar mais pessoas - afirma a promotora Alessandra Marques.
A Telexfree vende um programa de computador que permite ligações nacionais e internacionais. O plano custa US$ 49,90, cerca de R$ 111 por mês, para 3 mil minutos de ligação. O programa é semelhante a outros que permitem fazer ligações telefônicas pela internet e podem ser baixados de graça.
Tão logo o Ministério da Justiça anunciou a abertura de processo administrativo contra a empresa, a repercussão foi imediata. Distribuidores da Telexfree organizaram protestos, não por terem sido lesados pela empresa, mas alegando prejuízo com a decisão da Justiça. Eles se queixam por deixar de receber a remuneração em várias cidades do país, inclusive Porto Alegre. No Brasil, existem mais de 1,35 milhão de cadastros. As manifestações foram ainda mais fortes no Acre, onde há em torno de 70 mil cadastrados, cerca de 10% da população do Estado.
- A maioria dos participantes é formada por pessoas humildes, que largaram o emprego e venderam bens para poder participar. Eles realmente acreditam que estão realizando um trabalho honesto, por isso a indignação - afirma a juíza Thaís Kalil, responsável pela decisão de suspender as atividades da empresa no país.
Há 20 dias, a magistrada tem recebido ameaça de morte por e-mail e por telefone. A companhia chegou a recorrer da decisão, mas o desembargador Samoel Evangelista manteve a liminar sob pena de pagamento de R$ 100 mil em cada novo cadastramento ou recadastramento. O caso voltará a ser analisado na segunda-feira por uma turma de magistrados.
Formato semelhante, objetivo diferente
A estrutura entre um negócio de venda direta e um esquema de pirâmide apresenta semelhanças, especialmente devido ao fato de ambas pagarem bonificação pelo recrutamento de novas pessoas.
- Marketing de rede por si só não é uma prática criminosa. A diferença está de onde vem a maior parte do lucro gerado - explica a advogada Sylvia Urquiza, especialista em direito penal empresarial.
Enquanto empresas legítimas são sustentadas a partir da venda de produtos ou serviços aos consumidores que não estão associados à rede e dependem basicamente do volume de vendas em cada mês, a pirâmide só se sustenta enquanto novos investidores entrarem no esquema.
A pedido do Ministério da Justiça, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda fez um parecer técnico sobre o caso da Telexfree. Mas uma liminar judicial impede a divulgação do conteúdo do documento. Para a diretora-executiva da Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (Abevd), Roberta Kuruzu, a imagem do setor fica arranhada devido ao mau uso do termo "marketing de rede".
- É importante que o Ministério Público e a Justiça investiguem para tirar do mercado aqueles que não são honestos, uma minoria. E é bom para alertar a população sobre o risco dos ganhos fáceis. Eu nunca vi ninguém ficar rico revendendo cosméticos, por exemplo - afirma Roberta.
Procurada pela reportagem, a empresa Telexfree não atendeu aos telefonemas nem respondeu às mensagens enviadas por meio de redes sociais.
O neto de Teixeirinha é Telexfree
Apesar de o Rio Grande do Sul ser o Estado com menor adesão de associados na Telexfree, o grupo da empresa na Capital fez bastante barulho na última semana. Realizou protestos em frente ao Ministério Público Estadual e à prefeitura e paralisou as duas vias da rodovia BR-116 em frente ao parque Assis Brasil, em Esteio. Em meio ao pequeno grupo de manifestantes que protestavam em frente à prefeitura na fria noite de terça-feira estava o neto de uma das figuras mais tradicionais da cultura gaúcha, o Teixeirinha.
Assim como o avô, Victor Teixeira Wichmann seguiu o caminho da música e hoje divide o seu tempo entre as aulas de técnica vocal e as vendas com Telexfree. Em oito meses, já comprou um carro.
- Dedico cerca de 20% do meu tempo para a Telexfree. Meu ganho é entre R$ 5 mil e R$ 6 mil por mês. Mas se aumentar a dedicação, posso ganhar até mais - afirma.
A cifra - bem acima do salário médio mensal em Porto Alegre - impressiona, mas não é a maior entre os manifestantes da Capital. O administrador de empresas Luis Vaz diz ganhar entre R$ 50 mil a 60 mil por mês com a venda de programa de computador que permite ligações nacionais e internacionais.
- Os pagamentos da empresa sempre entraram na minha conta no dia correto. Não há reclamação de pessoas que não receberam ou que se sentiram lesadas pela empresa. Não me sinto representado pelo Ministério Público. Eu sempre recebi em dia - conta Vaz.
O Procon Porto Alegre e o Procon estadual não registraram reclamações contra a Telexfree no último ano. A empresa, no entanto, é campeã de queixas de consumidores no site Reclame Aqui. São mais de 14 mil reclamações em 12 meses, principalmente referente a atrasos nos pagamentos acertados e dificuldade de comunicação com a companhia.