Paiol de dinamite de reclamatórios e passivo brutal foram algumas das definições sobre a dívida trabalhista do Grupo CEEE destacadas pelo governador Tarso Genro, terça-feira, no Palácio Piratini, para expor o cancro que corrói as finanças da companhia nos últimos 20 anos.
Reportagem de ZH publicada no domingo revelou que o passivo trabalhista é o maior dos descalabros que obrigam a estatal a operar no vermelho. Supera os R$ 407 milhões, impossibilitando a empresa de ampliar a rede elétrica e melhorar o serviço aos seus 4 milhões de consumidores.
O atual presidente do Grupo CEEE, Sérgio Souza Dias, garantiu que as ações trabalhistas estão sob controle. Há 9,4 mil pendentes. O governador, no entanto, quer esclarecimentos.
- Teria dúvidas se foi estancado. Estou aguardando dados sobre isso. São dois anos de governo, quero saber as medidas que foram tomadas - disse em entrevista a ZH.
Tarso ressaltou que a CEEE, se não tivesse recebido R$ 2,4 bilhões do governo federal (o total chegará a R$ 3,5 bilhões com financiamentos internacionais), estaria inviabilizada.
No fim do ano passado, quando a presidente Dilma Rousseff anunciou redução média de 20% na conta de luz - o que implicou queda na receita da CEEE e de outras empresas do setor -, Tarso pediu que a direção da estatal adotasse providências, especialmente para deter as ações trabalhistas. O prazo para as respostas está terminando.
Souza Dias assumiu a presidência da CEEE em janeiro de 2011. Ingressou na empresa em junho de 2008, indicado pela acionista Eletrobras, pelas mãos do diretor de Geração, Valter Cardeal, que seria próximo de Dilma. Na página ao lado, leia principais trechos da entrevista concedida pelo governador Tarso.
Zero Hora - A dívida trabalhista é o maior problema da CEEE, perdura há 20 anos. Como pode ser resolvida?
Tarso Genro - Só tem uma solução: negociar e alongar as dívidas. Elas vêm caindo nos últimos anos, mas de uma maneira muito modesta. E se introduzir, dentro da CEEE, métodos de gestão que sejam adequados para não recriar as condições que possibilitaram as ações.
ZH - A diretoria atual informa que as ações foram estancadas. Ainda existem, mas de forma ocasional, como em qualquer empresa.
Tarso - Teria dúvidas se foi estancado. Estou aguardando dados sobre isso. É óbvio que há uma redução, mas, neste momento, estou tomando informações. São dois anos de governo, quero saber quais as medidas que foram tomadas para o estancamento dessa dívida, quais as medidas de gestão para que não se reproduzam novas reclamatórias. Quando digo que tenho minhas dúvidas é porque ainda não recebi o resultado.
ZH - Quando deve receber as informações?
Tarso - O prazo está se esgotando por esses dias. É um requisitório que fiz há três meses.
ZH - E sobre os grupos que se organizam para tirar proveito da CEEE no abastecimento de gasolina, nos consertos mecânicos, nas horas extras e em outros setores. O que está sendo feito?
Tarso - Estou esperando o relatório sobre isso também. Temos informação de que existem mecanismos antigos de gestão, independentes da vontade dos gestores, que não conseguem debelar. Quero saber quais são as medidas que estão sendo tomadas para que esses grupos não se organizem, ou não tenham sucesso nos seus eventos. Estou buscando informações. Aguardando informações para ver se, da nossa gestão para cá, algum ato de algum gestor tenha recriado condições para que as reclamatórias trabalhistas se acelerem.
ZH - O que causou os problemas da CEEE, especialmente o elevado passivo trabalhista?
Tarso - Primeiro, a fragmentação a que foi submetida. O processo de privatização foi prejudicial ao núcleo CEEE, que ficou com os passivos trabalhistas e todas as responsabilidades de aposentadorias. Não quer dizer que as concessionárias estão fazendo um mau trabalho. Não, pelo contrário, estão se aperfeiçoando. O segundo motivo foi a transição dos funcionários estatutários para servidores geridos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A soma de vantagens da CLT e do regime estatutário onerou a folha de pagamento. O arranjo jurídico foi dramaticamente não qualificado. Gerou uma soma de direitos que proporcionou um conjunto de reclamações trabalhistas infindável, a qual repercutiu na aposentadoria dos servidores. São direitos justos, mas causaram um passivo brutal que se acumulou. O plano de carreira também não foi estruturado de maneira adequada, tornou-se uma espécie de paiol de dinamite de reclamatórias.
ZH - Houve falhas de gestão?
Tarso - Óbvio que neste período teve problemas. Não estou credenciado para falar sobre eles, mas agravaram a situação. Hoje, com a decisão da presidenta Dilma de reduzir as tarifas de energia, e se não fosse o acordo que fizemos para pagamento da dívida do governo federal, a CEEE não teria dinheiro para investir. Estaria praticamente inviabilizada.
ZH - O que está sendo feito diante da situação?
Tarso - Reestruturar a gestão, fazer com que a curva da dívida trabalhista penda para baixo. O plano vai ter que ser apresentado pelos gestores e pelo conselho de gestão. É otimizar os serviços e ampliar o número de clientes cada vez mais. Na minha opinião, a CEEE tem uma estrutura de administração arcaica. Tem de ser simplificada e mais eficiente, para que possa ter uma gestão compatível com uma empresa pública moderna. São três características: servir bem os clientes, ser autossuficiente para não ser subsidiada pelo Estado e ter uma política salarial que seja satisfatória para os servidores, mas não pode ser artificial.
ZH - O senhor disse que, se não fossem os recursos do governo federal, a CEEE estaria inviabilizada. No entanto, o seu governo cogitou usar R$ 1 bilhão da verba para as estradas.
Tarso - O que dissemos é que é um dinheiro que vai para o caixa único, poderíamos aproveitar para fazer investimentos em infraestrutura. Mas isso não será necessário, porque obtivemos financiamentos para as estradas. Então, esse dinheiro vai ficar integralmente para a CEEE.