Com as restrições impostas pelo governo argentino à compra de moedas estrangeiras, os turistas do país vizinho que veraneiam no Estado estão entupindo as casas de câmbio de pesos. Além de trocar a divisa para os gastos no litoral, em alguns casos os visitantes aproveitam a estada até para driblar as limitações aplicadas pela Casa Rosada.
- Tem muita oferta de peso. Os argentinos estão comprando dólar e real para levar para lá - diz o operador de câmbio Maurício Moraes, da Cambionet Corretora de Câmbio, na Capital.
Com a enxurrada de notas argentinas, a cotação do peso nas casas de câmbio despencou. Enquanto, de acordo com o Banco Central, a cotação de terça-feira fechou em R$ 0,41 cada 1 peso, as casas de câmbio consultadas por Zero Hora informam que, nos últimos dias, aceitaram apenas a moeda do país vizinho por valores entre R$ 0,14 - quase três vezes menos - e R$ 0,25. Devido à oferta bem superior à procura, alguns estabelecimentos até pararam temporariamente de comprar o peso.
- Antes, os turistas argentinos já vinham com dólares ou reais, mas agora eles vêm com pesos - observa Valdemar Andrade, operador da Executive Câmbio.
Apesar da perda do poder de troca da moeda, os turistas argentinos não deixaram de veranear nas praias da Região Sul. Pelo contrário, mostram as estatísticas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Estado. Entre novembro e dezembro, 36,6 mil argentinos atravessaram a fronteira por Uruguaiana e São Borja. O número é 4,45% superior a iguais meses de 2011.
De acordo com operadores, tamanho deságio na venda do peso é incomum. Em parte do ano passado, a cotação girava em torno de R$ 0,35 e, às vezes, empatava com o câmbio comercial. Com a oferta bem superior à procura, quem quiser comprar a moeda argentina também depara com uma cotação abaixo da oficial.
Para Robson Gonçalves, professor de macroeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o quadro verificado no Estado chama a atenção:
- A situação do câmbio na Argentina é artificial. Ninguém sabe o valor real da moeda. Isso que está acontecendo é como um laboratório ao ar livre e pode estar mostrando o valor real do peso. No câmbio, também existe sazonalidade. Este é o câmbio da estação. No inverno, pode ser outro - avalia Gonçalves.
Com o objetivo anunciado de impedir a fuga de capitais e evitar uma alta do dólar, o governo argentino obrigou bancos e casas de câmbio a pedir autorização ao fisco para realizar a compra de moeda estrangeira, o que na prática tem inviabilizado a aquisição de reais e dólares. No país vizinho, é prática fazer poupança em moeda americana para se proteger da inflação e da desvalorização do peso.
Outra medida adotada pela Casa Rosada ano passado foi aumentar em 15% as tarifas para gastos com cartões de crédito e de débito no Exterior. À época, projetava-se que as iniciativas inibiriam a vinda de turistas argentinos para o Brasil, o que não ocorreu.
A restrição adotada pela Argentina torna o real cada vez mais cobiçado no país vizinho. No mercado paralelo das ruas de Buenos Aires, a moeda brasileira chega a ser vendida a 3,80 pesos, quase 50% mais do que a cotação oficial.
Família não consegue fazer câmbio na praia
José Maria Abeledo, 63 anos, mora em Corrientes, na Argentina, perto de Uruguaiana, e há quatro décadas passeia no Brasil. Pela primeira vez, está assustado com o alto preço cobrado pelo real. Com quatro filhos, neta e mulher, o advogado, que já tem apartamento em Capão da Canoa e veraneia por lá há 17 anos, lamenta dizer que se continuar assim terá de suspender as férias no Litoral Norte.
- É uma situação impensável para quem quer viver em liberdade. Não conseguimos trocar nosso dinheiro no câmbio oficial. Temos de pedir permissão para o governo, mas mesmo assim não se consegue. No final, temos de trocar quatro pesos por um real - detalha Abeledo.
Guilhermina, 35 anos, a filha mais velha, diz que até o ano passado havia uma imobiliária em Capão da Canoa que trocava o dinheiro por real. Este ano, nem isso. Segundo ela, é impossível fazer a troca na praia. Em caso de aperto, usam o cartão de crédito.
Mas, por enquanto, nada de privação. Saem às compras à noite, comem bem e passeiam bastante. Os Abeledo dizem não ter nenhum interesse em levar a moeda brasileira para trocar por lá, aproveitando o câmbio favorável. Preferem guardar o que sobrar, se sobrar, para as férias do próximo ano.