Se o real forte anima brasileiros a viajar ao Exterior e a comprar importados, também inquieta indústrias que exportam e segmentos que concorrem com produtos mais baratos graças ao câmbio valorizado. Uma diferença em relação a outros períodos é a qualidade da importação: em vez de quinquilharias nas lojas de R$ 1,99, desta vez o que lidera as compras no Exterior são máquinas e equipamentos.
Na avaliação de José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), de fato há uma melhora nas compras lá fora, mas até nisso vê ameaça. Se ajuda a indústria brasileira a reduzir custo e atualizar tecnologia, confirma a mudança de patamar de um competidor que amedronta, a China.
- Eles melhoraram muito os produtos. Estão fazendo o que o Japão fez nos anos 40: invadiu com produtos baratos e sem qualidade e, depois de ganhar o mercado, melhorou qualidade e preço. Antes, a China exportava bugigangas. Hoje, vende equipamentos. E chineses para montá-los - argumenta.
É essa ameaça de gerar emprego no Exterior que os industriais temem quando apontam um déficit (resultado negativo) na balança comercial de produtos manufaturados perto de US$ 60 bilhões. Ou seja, essa é a diferença entre o valor que o Brasil comprou e o que vendeu em produtos elaborados no Exterior.
- A China claramente quer exportar produto elaborado e mão de obra. E aqui, está claramente substituindo produção nacional - acrescenta Castro.
Esse temor fez o atual presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Benjamin Steinbruch, falar em desindustrialização em debate cara a cara com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Julio Sergio Gomes de Almeida, com longa passagem por entidades industriais antes de ter integrado o atual governo, não vê risco imediato:
- Por enquanto, o Brasil perde potencialidade, mas não de forma absoluta. Se o mercado doméstico perder força, aí sim há risco de desindustrialização.
Para Nathan Blanche, especialista em câmbio, as vantagens comparativas do Brasil no agronegócio e na mineração oferecem defesa contra um desequilíbrio externo maior:
- Se o real não tivesse se apreciado, a inflação seria muito mais alta, e a única alternativa seria aumentar mais o juro.
Com músculos fortes, o real encarece o investimento no Brasil, pondera o especialista. Embora ainda entrem dólares suficientes para cobrir o indesejado déficit em transações correntes, equilibrando o balanço de pagamentos total do país, a sustentação desse equilíbrio é precária. Leonel Rossi Junior, diretor de assuntos internacionais da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), mostra o outro lado da equação:
- Real valorizado torna o Brasil mais caro para o turista internacional. São Paulo já tem restaurantes com preços de Nova York ou Paris. Quem chega aqui fica espantado.
Um criado-mudo por R$ 400
Há cerca de dois anos um dilema atormenta Alberto Peliciolli, diretor administrativo financeiro da Treboll Móveis, de Flores da Cunha: como converter sua produção, 100% destinada ao mercado externo, para vendas domésticas? Um criado-mudo que vende no mercado internacional por US$ 67 chegaria ao consumidor brasileiro por um preço que estima em R$ 400. E quem estaria disposto a pagar esse valor por um criado-mudo?
- Até existe, mas deve ser um número bem pequeno - especula.
A conta começa com a conversão do preço para cerca de R$ 120 e explode com o acréscimo dos impostos (45%), além da margem do lojista. O que torna o preço do pequeno móvel tão notável é a madeira maciça do qual é feito. Todas as máquinas da indústria são desenhadas para esse material, o que dificulta a conversão para operar com MDF, matéria-prima mais bem aceita no Brasil.
- Teríamos de mudar todas as máquinas da fábrica - suspira Peliciolli.
E isso que, nos primeiro oito meses do ano, já conseguiu vender 47% a mais do que de janeiro a agosto do ano passado. O problema é que ainda está 23,32% abaixo de igual período de 2008. Isso fez com que o número de funcionários, 300 no início do ano, fosse reduzido para 285. Peliciolli explica que não houve cortes, mas vaga deixada por quem sai não é ocupada.
- Com o câmbio como está, chegamos a um preço que não tem mais como negociar. Quando baixa um pouco, aproveitamos para fazer trava (fixar o câmbio naquele ponto).
Reunião de vizinhos em Portugal
Foi num jantar em Portugal com companheiros de viagem de turismo que o casal de aposentados Julio Cesar Fonseca e Angela Lucia Homem da Fonseca conheceu vizinhos de prédio em Porto Alegre. Conversa vai, conversa vem, descobriram que não tinham em comum apenas o Estado, mas cidade, bairro e até rua.
É muita coincidência, mas cada vez uma possibilidade maior diante da quantidade crescente de brasileiros que o real valorizado autoriza a viajar ao Exterior.
- Há 15 anos, passear na Europa era só para a classe A. Eu só tinha ido uma vez, quando era pequeno, e se viajava de gravata. Agora, o pessoal vai de abrigo e tênis - compara Julio Cesar.
Afastados do trabalho desde 2000, foi só há cinco anos que os dois puderam trocar rotas nacionais por destinos internacionais.
- O euro já esteve em R$ 4,70, hoje está a menos de R$ 3, e o dólar entre R$ 1,70 e R$ 1,80 deixa as viagens muito mais em conta - observa o aposentado.
Foi assim que o casal fez roteiros do tipo "brasileiros na Europa" - 19 dias por sete países -, esteve no Chile, no México e planeja conhecer a República Dominicana no final do ano.
- No ano passado, ficamos uma semana em Cancún pelo mesmo preço que pagaríamos por sete dias no Nordeste - relata.
Com o bolso mais recheado pelo real de alta cotação, o casal aproveita para fazer passeios extras e conhecer a gastronomia local.
Notícia
Real valorizado preocupa exportadores e alegra turistas
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