Por décadas conhecido pela fabricação de máquinas agrícolas, até a venda do negócio para a americana John Deere, o Grupo SLC entrou recentemente para um time seleto de empresas no país ao alcançar a marca de 400 mil hectares de grãos cultivados. O novo capítulo na história da pequena ferragem de Horizontina que se tornou uma gigante do agronegócio brasileiro começou a ser traçado nos anos 2000 – quando diversificou os negócios, passando a produzir alimentos (no Centro-Oeste e no Nordeste) e abrindo capital na bolsa (foi uma das primeiras empresas do setor agrícola a adotar essa estratégia). Nesta entrevista, o executivo à frente do grupo, Eduardo Logemann, fala sobre as oportunidades de internacionalização, as compras de terras e o desejo de crescer em áreas onde não existem mais florestas virgens.
A estratégia para crescer hoje é a mesma do passado? Há outras fronteiras a serem abertas?Nós respeitamos muito o ambiente. Uma decisão muito clara é que não iremos para a região da Amazônia, a não ser em áreas em que já existam pastagens degradadas. O ideal é crescer em cima de regiões onde já não existem mais florestas, e sim pastagens degradadas.
O ideal é crescer em cima de regiões onde já não existem mais florestas, e sim pastagens degradadas
EDUARDO LOGEMANN
Presidente do Grupo SLC
Mesmo com a valorização dos últimos anos, a terra ainda é um ativo rentável para investimento?
A terra tem se valorizado bem, na média de 7% a 10% ao ano, exceto nos últimos dois anos, por conta da crise e também de questões climáticas. No Brasil, um hectare de terra no Mato Grosso custa em média US$ 5 mil ou US$ 6 mil, enquanto na Argentina vale US$ 12 mil, US$ 15 mil ou US$ 20 mil. Nos Estados Unidos, de US$ 15 mil a US$ 30 mil. No Rio Grande do Sul, um hectare vale US$ 10 mil, talvez US$ 5 mil, e isso porque há escassez de terra, como nos Estados Unidos. Tudo é uma questão de oferta e procura. Como existe mais disponibilidade de áreas no Matopiba, por exemplo, ainda há espaço grande ali para valorização de terras.
A expansão agrícola possível no Brasil, hoje, é no Matopiba?
É onde há lugar para expandir, assim como no Pará. O Brasil tem 60 milhões de hectares de culturas perenes e não perenes e 120 milhões de hectares de pastagens. É uma tendência mundial que se utilize cada vez menos espaço para a pecuária. É mais apropriado que essas regiões já abertas para a criação de animais sejam utilizadas para agricultura. Hoje, não se justifica mais derrubar florestas ou mesmo cerrados para abrir novas regiões agrícolas.
Como o senhor vê a atual restrição para a compra de terras por estrangeiros?
Foi um grave erro. Por que se pode ter fábricas de automóveis e supermercados estrangeiros? A restrição imposta pela legislação inibiu investidores, tirou a liquidez do mercado de terras. O Brasil não perderá nada de sua soberania se a legislação for alterada. Até porque, dos 8 milhões de quilômetros quadrados que o Brasil possui, apenas 6% são voltados à agricultura.
O senhor é a favor de mudanças na legislação?
Sou a favor de que se tenha liberdade de comércio, qualquer que seja o produto, automóveis, televisores, arroz, feijão ou terra. Não pode haver restrições a nenhuma indústria. Essas questões são levantadas na Organização Mundial do Comércio (OMC), inclusive, porque o Brasil é um país tão fechado, com reservas de mercado.
Orgânicos são um nicho de mercado espetacular – para quem pode pagar. A vontade é nobre, mas o mercado manda.
EDUARDO LOGEMANN
Presidente do Grupo SLC
Como o senhor enxerga a produção orgânica, que tem crescido nos últimos anos?
É um nicho de mercado espetacular – para quem pode pagar. Lembro de uma conferência de que participei, a Cotton Dinner, há uns sete ou oito anos. Estavam nela os presidentes mundiais da C&A e da Levi's falando sobre algodão orgânico para a confecção de roupas. Os dois afirmaram que, em 10 anos, não estariam mais vendendo jeans com algodão cultivado com agrotóxicos. Quatro ou cinco anos depois, nos encontramos novamente em uma nova conferência, e alguém da plateia perguntou sobre o projeto. A resposta foi: "Nós saímos". Não conseguiram preço competitivo. Enquanto uma calça normal custava US$ 80, com algodão orgânico chegava a US$ 350. Quantas pessoas estão dispostas a pagar isso por uma calça? A vontade é nobre, mas o mercado manda.
Saber a origem da produção (rastreabilidade) ganhará espaço no consumo?
Há várias iniciativas, já, na agricultura. Vou te citar um exemplo. Uma organização mundial, no Brasil chamada de Algodão Brasileiro Responsável (ABR), mede práticas como o alojamento do funcionário, o consumo de defensivos e onde estes são descartados, além de medir os índices da fauna e da flora e também toda a parte de conservação do ambiente. A ciência evoluiu muito, e a sociedade em geral precisa saber disso com informações detalhadas da produção.
Qual é a ambição do Grupo SLC hoje?
Nós temos uma visão de crescimento em todos os negócios, dentro de padrões de governança e ética muito severos. Temos algumas metas, como estar entre as cinco maiores empresas do Rio Grande do Sul até 2023. Em área cultivada, queremos chegar a 550 mil hectares até 2027. Hoje, são poucos grupos que plantam isso no Brasil. Não buscamos necessariamente a liderança, mas a maior eficiência.
De qual negócio vem o maior faturamento do grupo?
A maior parte vem da SLC Agrícola, cerca de R$ 2,2 bilhões, que engloba 14 fazendas em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Piauí e Bahia. O restante é dividido entre a SLC Alimentos (R$ 600 milhões), SLC Comercial (R$ 250 milhões) e a Ferramentas Gerais (R$ 500 milhões), empresa comprada em 2001.
Existe a intenção de levar a sede da empresa para fora do Rio Grande do Sul, diante da expansão dos negócios?
Crescemos muito em novas fronteiras, no Centro-Oeste e no Matopiba, mas aqui é a nossa casa. Não sairemos daqui.
A internacionalização está no radar da empresa?
Já olhamos, além de Uruguai, Argentina e Colômbia, Angola, Moçambique e Sudão. Todos esses países nós visitamos para investigar o mercado africano. Estive pessoalmente em Angola. Os grandes problemas lá são o cumprimento de contratos e regiões de fronteira absolutamente sem nenhuma infraestrutura, além de tecnologia e cultura agrícola zero, a não ser de subsistência. Implantar uma cultura empresarial nos países africanos é muito complicado. Além da infraestrutura e de questões burocráticas, existem problemas sociais, de falta de respeito ao ambiente e até à integridade física das pessoas.
Depois que saímos do negócio que era nosso coração (máquinas agrícolas), nada nos impede de sair de algum negócio e entrar em outro. Estamos sempre olhando para os lados
EDUARDO LOGEMANN
Presidente do Grupo SLC
A SLC Agrícola abriu capital na bolsa em 2007. A empresa cresceu mais rapidamente desde então?
Com certeza. Na época, plantávamos 117 mil hectares. Em 10 anos, pulamos para 400 mil hectares, mais do que triplicamos. Hoje, 52% da companhia ainda pertence à SLC Participações, que é a holding da família Logemann, e 48% estão bem pulverizados. A maior parte desse capital é formada por investidores estrangeiros, basicamente de Estados Unidos e Europa, e muito pouco, quase nada, da Ásia e do Oriente Médio.
Há algum investimento de novos negócios em vista?
Eu costumo contar, quando me perguntam sobre investimentos, um episódio de 1998, quando tínhamos a sociedade com a John Deere. No ano anterior, em fins de 1997, veio nos visitar o presidente da companhia, que tinha sido muito amigo do meu pai e estava deixando o cargo. E ele me disse: "Eduardo, a nossa companhia está mudando. Preparem-se que vocês serão assediados". Dito e feito. No ano seguinte, chegou o novo CEO e me disse: "Eu tenho uma missão, nós não podemos mais continuar com o negócio que temos hoje. Vocês são a única empresa em que a John Deere é sócia minoritária e não cobra por tecnologia". Então, começamos a negociar. Como não tínhamos US$ 15 bilhões para comprá-los, por um pouco menos eles nos compraram. Depois que saímos do negócio que era nosso coração (máquinas agrícolas), nada nos impede de sair de algum negócio e entrar em outro. Estamos sempre olhando para os lados.
Qual o maior obstáculo para o agronegócio brasileiro?
Hoje é a logística. Nós temos uma fazenda em Mato Grosso do Sul, a Planalto, em que a ferrovia passa exatamente no limite da propriedade e a estação ferroviária fica a 5 quilômetros dali. Não conseguimos receber ou mandar nada pela ferrovia. Não tem preço competitivo por uma razão simples: o monopólio. Enquanto houver monopólio, seja das ferrovias ou das hidrovias, não haverá competição. Quando não há competição, não há eficiência. E, quando não há eficiência, não há preço. Não adianta fazer uma privatização para passar do monopólio governamental para o monopólio privado.
A crise vivida pelo país chegou no agronegócio?
Chegou e ainda vai piorar, pela falta de recursos para o setor. O BNDES, que deveria ser um banco de fomento, inclusive para o setor agrícola, está pagando uma conta que não deveria pagar. Todo subsídio é ruim a longo prazo. Mas a agricultura, por ser um segmento tão importante para a economia, não deveria estar enfrentando dificuldades para financiamento. A morosidade para compra de uma máquina financiada hoje é de três a quatro meses. Além de uma logística ineficiente, o Brasil carrega uma carga tributária desproporcional e, nos últimos anos, ainda dificuldade para financiamento.
Nossa política sempre foi não dar passos maiores do que as pernas. Algumas nos dizem: os outros estão crescendo mais. Eu respondo: que bom para eles. Com muito trabalho e um pouco de sorte, nunca passamos por crise individual.
EDUARDO LOGEMANN
Presidente do Grupo SLC
O grupo já passou por alguma crise financeira individual?
Não. Talvez por sermos muito conservadores, nossa política sempre foi não dar passos maiores do que as pernas. Algumas nos dizem: os outros estão crescendo mais. Eu respondo: que bom para eles. Com muito trabalho e um pouco de sorte, nunca passamos por crise individual. O caráter profissional da SLC nos ajudou, também. Hoje, 100% da gestão da empresa é feita por profissionais de fora da família. Não é proibido, é claro, mas temos regras claras: ter formação educacional e ter trabalhado fora para trazer experiências novas.
Como o senhor chegou ao cargo mais importante do grupo?
Assumi com 35 anos de idade, quando meu pai (Jorge Logemann) morreu. Eu já trabalhava no grupo. Acabou sendo uma sucessão apressada.
Como define o seu perfil como executivo?
Delegador. Sou engenheiro mecânico apenas de formação, porque nunca tive a felicidade de exercer minha profissão. O fato é de que a engenharia te dá uma visão matemática das coisas de maneira muito ampla, o que ajuda minha gestão. Temos de ter humildade para admitir que não podemos fazer tudo sozinho. Temos de nos cercar de bons profissionais. Depois da engenharia, fiz finanças também. Procuro estar sempre me aperfeiçoando e estar aberto a novas ideias. Estimulo também a discussão e o crescimento das pessoas.
Agronegócio será o futuro. Se a renda per capita se mantiver na metade do crescimento de hoje, o mundo vai precisar produzir 50% mais alimentos até 2050, sem aumento significativo de áreas plantadas
EDUARDO LOGEMANN
Presidente do Grupo SLC
O senhor é da terceira geração da família. A quarta geração já está sendo preparada para assumir?
A quarta geração está sendo preparada para ter bons acionistas, que não serão necessariamente executivos. Temos uma governança de família nas nossas empresas, na qual os objetivos se entrelaçam. A quarta geração poderá ter conselheiros nas empresas – os que se prepararem, claro. O futuro não controlamos, tentamos apenas direcioná-lo.
Como será o agronegócio do futuro?
O agronegócio será o futuro. A agricultura no mundo certamente vai evoluir. Se a renda per capita se mantiver na metade do crescimento de hoje, o mundo vai precisar produzir 50% mais alimentos até 2050, quando a população passará de 9 bilhões. Será que conseguiremos atender isso apenas com aumento da produtividade? Em algumas regiões, quem sabe. Em outras, não. Certamente o mundo terá de produzir mais, sem aumento significativo de áreas plantadas. Mas a colheitadeira que meu pai produziu em 1965 é a mesma hoje. Com o automóvel é a mesma coisa: os de hoje ainda têm guidom, direção, quatro rodas, motor a combustão, caixa de câmbio. A essência continuará a mesma, com muito mais tecnologia.