“É o amor”, suspiravam Zezé di Camargo e Luciano. “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”, concluía Roberto Carlos. “Que país é esse?”, questionava a Legião Urbana. As chances de você ter lido as frases acima cantando são grandes. E quando o trecho de uma música vira uma expressão, uma referência, é um atestado de sucesso. Entre os artistas que podem se orgulhar de ter um hit desse nível na bagagem também está uma cantora e compositora gaúcha, nascida e criada em Porto Alegre: Luciana Lima ou, simplesmente, Luka.
Vinte anos, alguns prêmios e milhares de execuções mundo afora depois, “Tô nem aí, tô nem aí, não vem falar dos seus problemas que eu não vou ouvir” é um desses hinos que marcaram época. Se alguém quer demonstrar desinteresse em algo ou em alguém ainda hoje, entoa o poderoso refrão que mudou a vida da artista.
Mas este não é o maior feito de Luka. Segundo ela, Tô Nem Aí é o seu segundo maior sucesso. O primeiro é a filha, Luisa, 18 anos, que herdou a musicalidade por parte da mãe, do pai, Guto Wirtti, e do avô paterno, Antônio Gringo, também músicos.
Para viver de sua música há mais de duas décadas, ela foi e continua sendo uma artista dedicada e persistente. E com uma base sólida construída no Rio Grande do Sul. A cantora e compositora conta que foi “criada tomando chimarrão e cantando tertúlia” e leva consigo lições simples e impactantes que ouviu principalmente do pai, Sebastião José Acauan de Lima, que morreu em 2021, vítima da covid-19. “Sucesso não se faz, minha filha, se é”, é uma das citações lembradas por ela, que se descreve como uma mulher reta, de caráter e que nunca se vendeu aos sistemas para emplacar sucessos.
Luka já teve, conforme sites especializados, três canções entre as mais ouvidas do Brasil: Tô Nem Aí, em 2003; Porta Aberta, em 2004, e Sem Resposta, em 2006. O mais recente trabalho da gaúcha, Seu Amigo Gosta, de 2022, está disponível nas plataformas digitais e já foi reproduzida mais de 90 mil vezes.
Atualmente radicada em Orlando, nos Estados Unidos, onde vive com o namorado, o empresário Augusto Duarte, Luka “aceitou os seus erros (e acertos) e se reinventou”, mas não virou a página, como canta em seu hit. Segue produzindo, além de música, conteúdo para as redes sociais e, claro, colhendo os louros do conjunto de sua obra. No ano passado, apenas no Spotify, suas canções foram ouvidas mais de 5,3 milhões de vezes por cerca de 1,5 milhão de ouvintes, em 168 países.
Prestes a retornar ao Brasil para uma turnê em comemoração ao aniversário de 20 anos do álbum Porta Aberta, Luka conversou com Donna a respeito de carreira, maternidade, lembranças do Rio Grande do Sul e, claro, música.
Ela relembra da época em que morou na Capital, da influência do Sul nas suas composições e de quando era vocalista da Acauan Band. Na época, cantava em bares como Opinião, Olaria e Dado Tambor, fazendo covers de Alanis Morissette e Shakira, mas sem deixar de lado as composições próprias. Tudo isso antes de trocar a cena boêmia da noite porto-alegrense pelas turnês nacionais e internacionais, pelos microfones dos principais programas de TV e rádio do país e de sua música virar trilha de novela, de cinema e de dezenas de campanhas publicitárias.
Confira a entrevista
Qual a principal mudança em relação a Luka de 2003?
Claro que, ao longo desses 20 anos, amadureci muito como pessoa, mas sigo sendo aquela guria alegre e autêntica que sempre fui. Tive uma criação sólida e isso me ajudou a nunca deixar o sucesso “subir à cabeça”. Minha família sempre foi minha base, por isso eu nunca tive medo de voar tão alto. Sempre tive chão, apoio e acolhimento dos meus pais maravilhosos, Sebastião e Maria do Carmo, e das minhas irmãs, Rafaela e Renata, que eu amo! Nunca me vendi para os modismos do mercado da música, construí uma linda carreira a serviço da arte e me orgulho muito disso.
Como administrou a fama no começo e como vive a fase atual?
Sou sortuda e abençoada. Eu cheguei a um topo, onde muitas pessoas não chegam ou, ainda, levam a vida inteira para chegar. Meu pai me ensinou a ter gratidão e a lidar da melhor forma possível com o sucesso. Ele sempre falava: “Sucesso não se faz, minha filha, se é”. Nesses 20 anos, eu nunca parei. Gravei quatro discos, vários singles, compus para artistas, filmes, novelas e fiz muitos, mas muitos shows pelo mundo inteiro. Além, é claro, de muitos amigos por onde eu passo, graças a Deus!
Nessas duas décadas, você passou por diferentes fases na carreira. Em algum momento pensou em parar?
Jamais! A vida é feita de fases. Já fiquei em hotéis paradisíacos e em hotéis espelunca. Já andei de jatinho e em estrada de terra, de chão. Já estive com reis e com mendigos e sou a mesma pessoa, sempre. Tudo isso me deu a experiência e o privilégio de ser a pessoa que sou hoje. Tenho muito orgulho de mim e da minha história. Sou uma vitoriosa que foi sozinha ao Rio de Janeiro, em busca de um sonho, e que venceu na vida. Estive no topo das paradas europeias, fiz três turnês no Japão, duas na África, uma megaturnê na Europa. Hoje, moro nos Estados Unidos por opção, mas não deixo de amar o meu país e não deixo de ser gaúcha, mantenho a minha tradição.
Quando compõe, ainda busca o hit?
Nunca procurei o hit e nunca me prendi ao que o mercado musical quer. Creio que isso bitola a minha arte. Me permito ser livre e criativa na hora de compor. Sempre procurei me reinventar, sem perder a minha essência. E, acredite, isso é bem difícil! Acabei de lançar meu novo single, O Seu Amigo Gosta, com o DJ Prinsh, também gaúcho. A galera está amando a música.
Você compõe todas as suas músicas. Atualmente, o streaming ajuda ou atrapalha o compositor?
Com as plataformas musicais, ganha-se muito mais, porque o streaming contabiliza cada vez que a música é ouvida na playlist. Na época do CD, você recebia o royalty apenas uma vez, pela venda do disco. Se a pessoa ouvisse o dia inteiro o CD em casa, você não receberia por isso. Além disso, os artistas vivem de propagandas, parcerias, licenciamento de marca, YouTube, Spotify, não é somente de show. Hoje, com a internet, tudo mudou para melhor. Ficou muito mais democrático e justo.
Falando em internet, qual a sua relação com as redes sociais?
Eu amo a internet! Ela acabou com o monopólio das gravadoras. Deu voz aos artistas e nos aproximou do nosso público. Hoje você segue quem quiser, ouve quem quiser. Você faz a sua própria playlist. Antes, você ouvia o que era imposto pela rádio. Eu amo meus fãs e tenho um relacionamento de carinho e respeito com eles. Muitos me seguem há 20 anos. A internet é uma rede e a minha é uma rede de amor e de música. As críticas sempre existirão e são frutos dos recalcados, que nunca chegaram onde eu cheguei na vida. Eu super entendo.
Como o Rio Grande do Sul impactou no processo criativo do álbum “Porta Aberta”, que celebra 20 anos?
No meu processo criativo, as músicas vêm com letra e melodia. Já sinto tudo junto. Sempre foi assim. Fui criada tomando chimarrão e cantando tertúlia no colo do meu pai. Essa é a minha essência. Sou gaúcha, de personalidade forte, aqui ou no Japão, nunca perdi a minha essência de descendente de Ana Terra. Sou mulher que ninguém pisa em cima. E isso reflete nas minhas músicas e na minha vida.
Como nasceu “Tô Nem Aí”?
Quando compus, no tapete da minha sala, nunca imaginei que essa música fosse mudar a minha vida. Eu tinha apenas 23 anos, recém-chegada ao Rio de Janeiro, era uma menina pura, cheia de sonhos. Tô Nem Aí é um ícone. Mesmo após 20 anos, ela gera milhões de streams e é ouvida no mundo inteiro. Tem versão em forró, arrocha, em inglês, em espanhol, até em hebraico. Foi regravada recentemente pela Larissa Manoela e por um cantor italiano. Ela foi trilha de novela (Malhação, na Globo), de comerciais e rendeu contratos com marcas. Quem não lembra do radinho da C&A que tocava Tô Nem Aí? São 20 anos de muitas histórias para contar e vitórias para comemorar.
Qual a participação de Latino na composição da música?
Latino fez o refrão de Tô Nem Aí comigo. É um grande amigo, um irmão para mim. Ele pôs a cereja no bolo! Sem ele, a música não seria o sucesso que foi. Eu não cheguei ao topo sozinha. Sem a ajuda dos meus pais, da minha família, dos músicos, dos produtores e do meu público, nada disso seria possível. Sou uma artista do povo. Sou humilde. Recebi essa virtude dos meus pais. Tratar a todos com igualdade, não me sentir melhor nem pior do que ninguém. Meu pai dizia: “Quem é foda não precisa escrever na testa”. É sobre isso!
Qual a sua ligação com o Sul?
O Rio Grande do Sul mora no meu coração, como falei, levo as minhas raízes para onde vou. Eu morei 18 anos no Rio de Janeiro e nunca alterei meu sotaque. Eu nasci e vou morrer gaúcha! Tenho muito orgulho da nossa cultura. Meu avô tem 106 anos e mora em Vacaria. Somos do campo. Sou uma artista raiz que não aceita desaforo. Sou mulher reta. De caráter. O Sul nos ensina isso. Perdi meu pai para a covid-19, mas ele e tudo o que ele me ensinou seguem vivos dentro de mim. A chama do fogo de chão dentro do galpão segue viva dentro de nós.
E Porto Alegre?
Estudei a vida inteira no Glória (Colégio Nossa Senhora da Glória), dancei no CTG Negrinho do Pastoreio, fiz parte do grupo de dança espanhola Alumbra España. Comecei a cantar na Cidade Baixa aos 14 anos e fui a primeira vocalista mulher a tocar com minha banda de rock no Opinião. Minha primeira matéria foi em ZH, quando o saudoso Renato Sirotsky me viu, por acaso, cantar num bar. Certa vez, ele falou para o meu pai: “Essa guriazinha vai longe, meu amigo!”. E quando eu estourei, ele me colocou para cantar no Planeta Atlântida. Foi uma realização. Hoje ele e meu pai estão juntos, lá no céu, me aplaudindo. Tenho certeza disso.
Como é a Luka mãe da Luísa?
A Luísa tem 18 anos e é o meu maior sucesso. Depois vem Tô Nem Aí (risos). Ela é minha luz, meu rouxinol, uma menina linda e talentosa. Ela é neta do querido Antônio Gringo, então, tem música na veia dos dois lados. A maternidade foi a melhor coisa da minha vida, me fez uma pessoa melhor e me ensina, mais e mais, a cada dia. Temos uma relação que vai além dessa vida.
E os planos para 2023?
Estamos com a turnê engatilhada para o segundo semestre deste ano. Tô Nem Aí é sucesso até hoje e precisa ser celebrada. Meu show vai ser um grande revival dos anos 2000 e vai contar com participações bem especiais. Mas são surpresa! Tenho mil planos e sonhos, só vou parar de sonhar quando eu morrer, ainda vou realizar muita coisa! Eu sou imparável!
Sempre que fazem suspense sobre as listas de famosos que vão participar do “BBB”, seu nome aparece. Você participaria?
Quem sabe? (risos)