Aos 36 anos, Bruna Maia já compõe um currículo extenso: é cartunista, escritora, artista plástica e jornalista. É também um nome conhecido nas redes sociais, onde ganhou notoriedade com o perfil @estarmorta (atualmente renomeado @dabrunamaia), acompanhado por 85,9 mil seguidores. Lá, compartilha tuítes e quadrinhos de humor ácido e pungente, por meio dos quais fala de feminismo, liberdade sexual, relacionamentos abusivos, dramas geracionais, política e o que mais quiser tensionar.
Bruna nasceu em Rio Grande e mudou-se para Porto Alegre para estudar Jornalismo. Desde 2010, mora em São Paulo, de onde conversou com Donna sobre o lançamento do seu novo livro Com Todo o Meu Rancor (Editora Rocco). A obra, que já está nas bancas, tem sessões de autógrafos nesta terça-feira (11), no bar Ocidente, na Capital, a partir das 20h, e em São Paulo, na sexta-feira (14).
Faz sentido a passagem por aqui, já que Bruna afirma ter herdado do solo gaúcho uma característica importante do seu trabalho: falar direto, sem papas na língua.
— Sou gaúcha e a gente é assim, tem mais franqueza. Isso tem muito a ver com a minha linguagem, não sei me comunicar de outra forma Não gosto de dourar a pílula ou ficar enrolando para dizer o que precisa ser dito. Digo logo de uma vez — explica.
Com Todo o Meu Rancor é o primeiro romance escrito por Bruna. Sem revelar muitos detalhes da trama, a autora explica que a protagonista, Ana, passa longe da heroína politicamente correta. Trata-se de uma mulher desencantada com o trabalho e com seu relacionamento anterior, que culminou em um término humilhante. Ela acaba entrando em uma jornada de autodescobrimento, acolhimento da própria raiva e de vingança contra o ex-namorado.
— Mulheres da minha geração vão se identificar com questões como a do relacionamento com um homem que parece muito desconstruído, mas na verdade é um escroto. Mas é um livro para todos, não só mulheres, pois conversa com uma geração que está meio desencantada ao perceber que os vínculos afetivos andam muito precários e o trabalho não está fazendo sentido. A mensagem principal que quero passar é que eu já não quero mais igualdade. Quero vingança contra o patriarcado. É a mulher saindo do papel de vítima e reagindo. A gente não têm que aceitar algumas coisas, não têm que se conformar — afirma.
Por que falar de um relacionamento abusivo?
As mulheres sofrem abusos caladas dentro de suas relações há muito tempo. A diferença da nossa geração é que a gente abriu a caixinha dos relacionamentos e essas coisas estão saindo, aparecendo aos olhos do público. Mas, ao mesmo tempo em que estamos desconstruindo um monte de coisa, continuamos reproduzindo padrões de antigamente, que é essa coisa da mulher no papel do cuidado e o homem ficar folgado sem fazer nada.
Nesse livro, a personagem é zero servil, zero doce, mas se relaciona com esse homem falso, que inicialmente parece pertencer a esse momento de desconstrução do machismo, mas, na verdade, é exatamente igual a outros homens bosta do passado.
Há algo de autobiográfico?
Tem várias coisas autobiográficas. De fato, cresci em uma farmácia, que é uma coisa que ela cita no livro, mas também tem muitas experiências de mulheres com quem converso pela internet e várias observações sobre histórias de amigas minhas. Mas a maior parte do livro não é autobiográfica porque, afinal, não quero ser presa.
Há situações que acabariam em prisão?
Sim, muitas. Ela faz duas identidades falsas, por exemplo. Depois invade o apartamento do ex- namorado várias noites por semana e enlouquece ele com drogas para fazê-lo sentir-se culpado.
Paralelamente há uma trama de autodescobrimento, de forma que é um romance de amadurecimento misturado com vingança. A mulher tem direito a tudo, inclusive a ser má.
Que tipo de impacto pretendes causar na leitora?
Quero que as mulheres fiquem com muito ódio no coração, muita raiva e não aceitem mais migalhas de afeto. Quero que não aceitem desaforo de homem. E que se imponham mais. Quero destruir o patriarcado mesmo.
Qual a importância de trazer temas como sexualidade feminina à pauta?
Acho que a influência ocidental, que veio com Freud e com a medicina patriarcal que se apropriou do corpo das mulheres e alienou-as do seu próprio corpo, fez com que elas tivessem uma sexualidade muito reprimida e que os homens ficassem extremamente ruins de cama. Os homens são falocêntricos no sexo — nem todos, é claro, tem alguns que são ótimos.
E toda vez que falo de orgasmo feminino e do fato de que muitas mulheres realmente não conseguem gozar em boa parte das relações, aparece alguma para dizer “ah, mas às vezes eu não gozo e também é legal”. Você nunca vai ouvir um homem dizer isso.
Então, acho que, das muitas injustiças e repressões que a gente sofre, sexualidade é uma. Por isso que gozar é revolucionário e o feminismo tem que falar a respeito.
Que leitura tu fazes dessa realidade no pós-pandemia?
Homens gays transam bastante, mulheres lésbicas transam bem e por horas. O diagnóstico que eu faço é que boa parte dos heterossexuais em geral estão transando menos e estão transando meio mal. Fato é que, quando a gente tem 20 e poucos anos, tem mais paciência. Aí, passou dos 30 e a coisa fica diferente.
O auge do homem é aos 28 anos. Depois, daí começa a apodrecer sexualmente e psicologicamente. Só piora. Aí chega nos 30, os homens estão chatos para caramba, ficam te alugando, para cada 20 minutos de sexo você tem que aguentar três horas do cara tentando fazer terapia com você.
Aí, você, mulher, pensa três vezes antes de sair com um homem. Ou quando sai, se emociona com muito pouco, acha que qualquer merdinha que os caras fazem é afeto. “Ó, meu Deus, ele até dormiu na minha casa”, “Ele até curtiu meus stories”. Acho que é uma geração que está em situação de fome de afeto.
Como foi o processo até te tornares cartunista?
Eu acho técnica importante, mas, para ser artista, não precisa ter uma técnica perfeita. É claro que esse negócio do “discurso ter sobrepujado a técnica” criou muita picaretagem nas artes contemporâneas, como dizer que é arte um “pedaço de entulho” no chão que não significa nada.
Por outro lado, também há muitas possibilidades legais, como essa coisa do desenho, escultura, pintura, ou seja lá a maneira como você decidir se expressar, não precisar seguir todos os cânones de fundamentos do desenho.
Dá para narrar uma história muito boa com palitinhos. Não precisa de técnica para a charge. Precisa ter uma história para contar e uma linguagem visual própria e autêntica.