Carnaval, bloquinhos ganhando as ruas. Você está lá, curtindo a festa com as amigas quando, de repente, um homem entra no grupinho para tentar uma aproximação. Mas o que era para ser um flerte passa dos limites: ele insiste em beijá-la, mesmo você recusando as investidas – várias vezes. Depois do "não", tudo é assédio.
Cenas como essa ainda são bem comuns para as mulheres – e o clima de folia parece, muitas vezes, acentuar esse comportamento indesejado. Pensando nisso, um grupo de amigas do Rio de Janeiro criou, em 2017, um movimento contra o assédio chamado "Não é Não". Por meio de um financiamento coletivo, elas arrecadaram dinheiro para a impressão de tatuagens removíveis com a mensagem que leva o título do projeto e distribuíram gratuitamente no Carnaval carioca para milhares de mulheres.
A ideia deu tão certo que, em 2020, o "Não é Não" já está presente em 15 Estados e chega em solo gaúcho pela primeira vez. Por aqui, as embaixadoras são a cantora Fernanda Copatti e a advogada Juliana Figueiredo. As duas serão as responsáveis pelas ações em blocos da Capital como Não Mexe Comigo, Maria do Bairro e Império da Lã, entre outros ainda não definidos.
No total, serão 200 mil tatuagens distribuídas pelo Brasil, sendo cerca de mil nos bloquinhos do Estado. O número é diretamente proporcional ao valor arrecadado pelo financiamento – aqui, as organizadoras angariaram cerca de R$ 1,4 mil.
Para a cantora, os adesivos são muito mais do que acessórios carnavalescos: ajudam a levantar o debate sobre quando um flerte ultrapassa os limites e vira assédio.
– Esse papo de “Ah, não posso mais paquerar” me parece muito mais ignorância do que qualquer outra coisa. É fácil, assédio é um crime. Se você ler o conceito de assédio e o conceito de paquera, é completamente diferente.
E na prática?
Há alguns carnavais, as foliãs vêm encontrando um novo cenário nos bloquinhos quando o assunto é flerte saudável. Leitoras ouvidas por Donna percebem uma mudança de postura tanto de homens quanto de mulheres nas festas. Tem a ver com campanhas pontuais como o "Não é Não", é claro, mas também é resultado das discussões efervescentes sobre questões como o assédio, levantadas pelo movimento que ganhou força nas redes sociais e em hashtags como #MeToo e #MeuPrimeiroAssédio.
Para a advogada Laura Longhi, 25 anos, as mulheres estão se impondo cada vez mais e não se calam diante de uma situação de assédio:
– Elas não aceitam (situações de assédio). Se acontecer hoje em dia, chamo a polícia, faço um escândalo. Há uma mudança de postura geral.
Entre as foliãs, é consenso que os homens estão entendendo, aos poucos, os limites da aproximação e respeitando mais as mulheres. Mas ainda há um caminho a percorrer. Abaixo, leia o relato das experiências de três mulheres que curtem esta época do ano e acompanham as mudanças no jeito de agir da ala masculina nos bloquinhos de Carnaval.
Cátia Chagas, 42 anos, jornalista e aprendiz de percussão
“Existia aquele pensamento de que, se você está no Carnaval e com menos roupa, está disponível. Quando vim para Porto Alegre, ainda ouvia frases como ‘Gostosa, ô lá em casa’, assovios, além das tentativas de passar a mão. Hoje, se você reclama, a pessoa é expulsa do bloco. Há uma nova geração de homens vindo aí que está mais respeitosa. Mas vejo que é preciso diferenciar. Temos que ter discernimento do que é assédio e o que é o cara errar a dose no que fala para a mulher. Mas há evolução nessas questões. No nosso pessoal, os próprios homens usam a hashtag #NãoéNão.”
Laura Longhi, 25 anos, advogada
“Há diferença quando você está acompanhada de um homem, mas noto que eles têm respeitado mais. Nos últimos anos, não lembro de ninguém passando a mão na minha bunda. Claro que ainda acontecem coisas como me puxarem pelo braço. Mas já vivi situações como, por exemplo, quando eu tinha uns 18 anos, um cara ter chegado do nada e apertado meus peitos. Muitos homens passavam a mão na bunda, era algo frequente. Isso não tenho mais visto nos últimos anos.”
Lisiane Proença, 28 anos, engenheira de produção
“Eles estão um pouco mais conscientes. Frequento o Carnaval de rua há oito anos e percebo que mudou também o comportamento das mulheres. Hoje, é mais fácil ver uma mulher dizendo ‘não’ para um cara, e, quando ele insiste, sendo babaca, aparecem outras cinco em volta dela tirando o cara para longe mesmo não sendo amigas. Eu já fiz isso, já fizeram isso para mim. Quando a gente se junta, é mais fácil do cara desistir e sair. Entre os homens, a mudança não foi tão grande ainda, mas com as mulheres, com certeza. Não tenho mais medo.”