Camila Maccari, especial
Uma das primeiras premissas a serem abandonadas por quem quer crescer no mundo corporativo e assumir cargos de liderança é a ideia de que uma boa performance é o suficiente para você se destacar. Não é tão simples assim – ainda mais se você for mulher. O que, evidentemente, não quer dizer que você não deva fazer seu trabalho muito bem feito.
– Aquele discurso meramente meritocrático não funciona para as mulheres. Tem que saber que os preconceitos fazem com que você tenha que trabalhar o dobro pra aparecer e concorrer, de fato, em um mundo de homens – afirma Eliana Dutra, CEO da empresa de coaching e treinamento ProFitCoach.
Não que o mundo corporativo tenha as portas fechadas para as mulheres. O problema é que elas parecem bater em um teto de vidro na hora de ascender a postos de comando. Prova disso é que, de acordo com a ONU Mulheres, menos de 2% das empresas têm uma mulher como CEO em nível mundial.
É um ciclo que se retroalimenta. Historicamente, os altos cargos são ocupados por homens: como inclusão em conselhos envolve confiança e recomendação, as profissionais acabam prejudicadas, não importa o quão capacitadas sejam. Por isso que, quanto mais mulheres, mais mulheres: uma pesquisa da consultoria de recrutamento e seleção Talenses, em parceria com o centro universitário Insper, mostrou que ter um presidente do sexo feminino garante maior número de mulheres em cargos de liderança dentro de uma empresa. Quando se tem uma presidente, elas ocupam 34% das funções de vice-presidência, 45% das cadeiras de diretoria e 41% dos cargos em conselhos. Em contrapartida, quando o CEO é homem, os índices caem para 18%, 23% e 10%, respectivamente.
Ter noção desse cenário ajuda a entender que, nem sempre, ser melhor que o seu colega homem garante uma vantagem na hora de concorrer para galgar posições. E para se preparar: aliar a boa performance a uma rede de contatos valiosa desde cedo garante maiores chances de subir na empresa.
Invista no networking interno
Tecer uma rede de contatos no local de trabalho ainda não é natural para as mulheres, e tudo bem. Mas é um ponto importante se você tem a intenção de trilhar uma carreira ali. Crescer no mundo corporativo depende muito mais disso do que de qualquer outra coisa, como alerta a consultora Eliana Dutra:
– É preciso fazer uma costura política, ser conhecida das pessoas que importam e que têm o poder de decidir sua vida lá dentro. Isso é algo que os homens fazem naturalmente, ao contrário das mulheres, que acabam mais isoladas. Descobrir uma forma de sair desse isolamento é um caminho individual, mas imprescindível.
Vale tentar o que você, com certeza, já viu seus colegas fazendo: chamar o chefe para almoçar, por exemplo.
A dica de Eliana, nesse caso, é combinar com alguma colega e as duas fazerem o convite juntas para evitar interpretações equivocadas. Sempre lembrando que não deveria ser normal e aceitável pensar em maneiras de se blindar de comentários maldosos que podem acompanhar o convite. Mas, como lembra Eliana, ser mulher geralmente faz com que todo o processo de crescimento profissional seja mais trabalhoso.
Diga onde quer chegar
Quem nunca viu um colega falando de suas ambições na empresa e não revirou os olhos, condenando tanta audácia? Rose Russowski, diretora da consultoria Lee Hecht Harrison na Região Sul, afirma que vale se inspirar no estagiário que entra e já anuncia que um dia vai ser CEO da firma:
– A gente acaba achando que aquele discurso todo é muito arrogante, mas os colegas homens não têm receio em dividir suas conquistas e anunciar bem alto as próprias ambições. Esse é um dos comportamentos de ouro do mundo corporativo: diga para a sua rede onde você quer chegar.
Escolha um mentor
O mentor vai ajudá-la não apenas a repensar os feedbacks que você recebe, mas também a definir onde você quer chegar e o que realmente é importante para sua carreira. Apesar de mentorias serem uma prática amplamente difundida no mundo corporativo, Eliana Dutra diz que ainda é pouco comum mulheres adotarem essa prática.
– Quando entram em uma organização, as mulheres olham para cima e só enxergam homens, não veem alguém em quem se espelhar de fato. Já o homem, quando faz o mesmo caminho, vê aquele monte de homens, se identifica, vai ficando mais amigo de um ou dois e transformando-os em seus mentores. Ou seja, mais uma vez, o que é natural para o homem precisa ser criado pela mulher.
Nessas horas, vale ser alguém de dentro da organização ou até de fora.
Feito é melhor que perfeito
Quando se trata em fazer o que está ao alcance das mãos, a necessidade de perfeição é o que mais difere entre homens e mulheres. Enquanto o homem costuma se jogar em todas as vagas promissoras, a mulher tende a analisar demais a situação.
– Abre uma possibilidade de vaga interna: o homem olha para o cargo, pensa que atende a 70% dos requisitos e sente que está pronto. Já a mulher trava: se ela não atender a tudo que é pedido, nem se candidata. A autocobrança acaba agindo contra e impedindo que a mulher tente avançar – exemplifica Rose Rossowski.
Para Eliana Dutra, esse comportamento, herança de uma criação em que as mulheres são ensinadas a atingir a perfeição, lembra muito a logística de uma sala de aula: no geral, as meninas são melhores alunas do que os meninos.
– Ainda queremos nos preparar para algum plano com consistência e estarmos completamente organizadas, mas as coisas não são assim – destaca Eliana. – Não dá para esperar uma ideia estar completamente estruturada para apresentá-la. Tem que saber que, nesse meio-tempo, alguém foi lá e apresentou.
Fortaleça a relação com outras profissionais
Em um ambiente predominantemente masculino, a rede de contatos estabelecida com as colegas mulheres é uma forma de garantir direitos como equiparação salarial, por exemplo. E, quanto mais satisfeita, mais focada você vai estar no seu objetivo, na sua carreira e nas suas metas.
– Quando as mulheres se articulam de forma sutil, mas, criando um movimento que engloba todas dentro da empresa, elas tendem a ter sucesso. Sem greve, sem exigência, apenas com uma costura política que só é possível quando existe a articulação, como nos casos de defasagem salarial. Ou até em assuntos como creches, que é uma pauta das mulheres. Noto que muitas têm medo de lutar pelos direitos e ficar parecendo que é tudo mimimi, que estão reclamando sem ter do que reclamar. Mas não tem jeito. É a mulher que vai ter de lutar pelos próprios direitos – diz Eliana Dutra.