Quando eu era mais nova, quando eu era adolescente e até pouco tempo atrás eu costumava acreditar que era uma “mulher de verdade”. Eu achava que mulheres inteligentes e de atitude eram mulheres de verdade, e as outras eram umas tontas, fracas e sem gana.
Poucas coisas me envergonham tanto quanto ter pensado isso um dia. Mas me perdoo, pois somos criadas para competir umas com as outras e desconstruir isso é muito difícil.
O mundo, na minha cabeça, era dividido entre “nós” e as outras. Pior, o critério que eu usava, sem pensar muito a respeito, era de como as mulheres eram vistas pelos homens e se portavam diante do mundo deles. Legal mesmo era ser aceita pelos homens, ser “um dos caras” e diferente das “outras”. Minha construção como mulher se deu dessa forma: me afastando do que eu entendia que era ser mulher. Mulherzinha.
Eu que era mulher de verdade.
Os homens me respeitavam, respeitavam o que eu sabia, respeitavam que eu sabia me impor. Eu não era como elas. Ficava orgulhosíssima quando eles se referiam a mim dessa forma. Mulher de verdade. Me orgulhei quando, em meu primeiro livro, disseram que eu escrevia tão bem que “escrevia como um homem”. Que vergonha imensa. Ainda bem que dá pra mudar nesta vida.
Temos também a variação, o “isso sim que é mulher”, igualmente equivocada.
Há alguns anos, eu tive um namorado muito otário que gostava de fazer comentários sobre outras mulheres dessa forma. Não me importaria de ele dizer “que gata” ou qualquer coisa do tipo, mas era sempre nesse tom: isso sim que é mulher! Isso sim que é peitão. Isso sim que é bunda. E eu ficava olhando pra mim mesma e pensando, ué, e isso aqui não? Mas nem falava nada pois não queria pagar de maluca ciumenta e nem era ciúme o que eu estava sentindo, apenas um desconforto que eu não sabia identificar. Um dia, ele falou de uma garota com o corpo muito parecido com o meu, e eu perguntei, mas vem cá, eu super sou assim também. Ele disse que meus peitos eram mais caídos, então não era não. Aquilo que era peito! E eu senti, ao mesmo tempo: raiva, asco, vergonha e vontade de ir pra minha casa com meus peitos caídos.
Outro dia, estava vendo um perfil da minha amiga e ativista dos direitos das trabalhadoras sexuais, a Monique Prada, e, entre vários xingamentos, tinha um cara falando: isso sim que é mulher, não aquelas patricinhas de rosa. Ela mesma respondeu: obrigada, mas as patricinhas de rosa estão muito bem na delas.
Sempre que aparece uma matéria de modelos “plus size”, que nem precisam ser muito plus, só menos magras e com mais curvas do que as modelos tradicionais, também é batata: vai ter um comentando que “isso sim que é mulher, homem gosta de ter onde pegar”. Nas fotos das mulheres musculosas, também aparecem esses comentários: isso é que é mulher, não aquelas lá!
E a lista é infinita.
Isso que é mulher, não aquelas funkeiras.
Isso que é mulher, não aquelas feministas.
Isso que é mulher, não aquelas que mostram as tetas.
Isso que é mulher, não aquelas que não se dão o respeito.
Isso mesmo, mulher, continue nesse caminho e pegue este biscoitinho de aprovação que eu estou te oferecendo.
Não é um elogio legal quando está colocando outra mulher pra baixo. Não é enaltecedor quando desmerece outras pessoas.
Não precisamos desse aval. Eu sei que aprendemos assim, mas não precisamos, não precisamos, não precisamos. E não há nada mais perigoso do que uma mulher que não precisa do aval do mundo dos homens.
Também sei que reproduzimos muita coisa sem pensar, então: vamos pensar nisso? É rápido, porém jamais indolor.
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