O mundo vive vigiando o corpo das mulheres. Emagreceu, engordou, fez plástica, será que fez plástica? Esticou a cara, empinou o nariz, mas esse cabelo é dela?
As capas de revistas não são apenas cheias de Photoshop, as mulheres também fizeram procedimentos em seus corpos. As Kardashians, apesar de quebrar uma hegemonia de padrão de beleza magérrimo, ainda têm corpos inalcançáveis para a maioria das mulheres – até porque são muito bem esculpidos. Alguém pode querer desprezar essas mulheres e dizer que vivem de futilidades, mas é inegável que elas – e outras – influenciam as mulheres, especialmente as muito jovens, quando se olham no espelho e não veem o que gostariam. Eu vivo repetindo aqui em casa: essa boca foi feita. Esse peito não era assim. Sem plástica ninguém é assim. Ou raríssimas são.
É muito legal que haja um movimento de autoaceitação. É vital que as mulheres gordas, negras e até as que tem corpos “médios” e não se encaixam nem em gorda, nem em magra e jamais aparecem nem na televisão, nem em revistas e nem em mídia alguma, estejam agora ocupando lentamente alguns espaços que antes lhes eram negados.
Autoaceitação não vem como mágica. Uma coisa que eu aprendi nesses anos todos é que se você odeia o seu corpo, ele te odeia de volta. E ninguém odeia seu corpo a partir de um vácuo, existe toda uma indústria para que queiramos nos modificar, nos aperfeiçoar, “secar”. Aliás, sempre achei bem bizarro essa imagem de “secar”. No seco nada cresce, no seco nada escorrega, no seco não tem vida nem ideias.
Essa pressão é horrível, e o movimento body positive vem pra dizer que está tudo bem, que você não é obrigada a ser como ditam os anúncios e a televisão, só que estamos cercadas, amigas, cercadas disso, e não é de uma hora pra outra que você vai começar a se achar linda como é. Inclusive pode ser que você não vá se achar e também está tudo bem, não somos apenas corpos, e esses corpos são nossos. Essa indústria se alimenta da nossa insatisfação, não é à toa que o Brasil é um dos países campeões em cirurgias plásticas NO MUNDO, e o primeiro em cirurgias íntimas, o que merece toda uma outra reflexão em outro momento.
E se você for muito infeliz e quiser mudar seu corpo? O corpo é seu. Você tem agência sobre ele. Meu corpo já mudou mil vezes, já tive 83 e 48 quilos em diferentes momentos da vida. Nunca fui gorda. Mas achava que era. Gorda não é um “sentimento”. Já fiz cirurgia de redução de mamas quando era adolescente, inclusive, de tão infeliz que me sentia com meus seios enormes. Fui viciada em remédios para emagrecer boa parte da minha juventude. Gostaria que lessem minha amiga Rachel Patrício sobre isso, gostaria que lessem o Lugar de Mulher e todos os textos da Polly sobre essas questões de corpo. Me ajudaram demais a entender a percepção da outra.
Mas aí, é claro, temos mais um problema, pois sempre existe uma maneira de estragar até os movimentos mais legais: veio a polícia da autoaceitação. Hoje, eu acordei com um comentário no meu Instagram, em uma foto que nada tinha a ver com o assunto, falando sobre os seios de silicone de uma amiga minha, uma cantora incrível, um dos maiores talentos da nossa geração. A pessoa se dizia decepcionada por causa dos novos peitos de minha amiga. Gente, pelo amor das deusas e dos deuses e orixás. A pessoa é artista, cantora, e estão falando dos peitos dela! E ela sequer é ativista, diga-se.
E eu digo: a polícia da auto aceitação é tão ruim quanto a polícia do corpo perfeito. O movimento body positive não veio pra fazer com que as mulheres se sintam bem em seus corpos e mal por se sentirem mal, pois isso é o quê? Mais pressão. Ele veio para questionar padrões únicos e trazer a possibilidade de que as pessoas não se odeiem, se enxerguem em outras belezas e para ampliar essa noção de corpos diversos. Por favor, não sejam essas pessoas e cuidem dos seus corpos, não do da coleguinha. Muito obrigada.
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