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Por esses dias, foi ressuscitado um texto em que um moço pede por favor para que Rodrigo Hilbert pise menos e não seja tão... Er... Tão funcional, digamos assim. Sim, sim, eu sei que era um pretenso texto de humor, mas, por trás da piadinha, sempre tem algo. O humor é uma arma poderosa que vive apontada pra cabeça das minorias.
Ai, que chato o politicamente correto, né? Bom mesmo era em 1950, quando mulher não reclamava e dava pra fazer piada racista, homofóbica e transfóbica sem questionamento.
O cara começa o texto falando: “Bonito, loiro, olho azul, rico, famoso, global, chef de cozinha, lava e passa a roupa, lava a louça, é bom pai, marido da Fernanda Lima, e agora, como se toda desgraceira fosse pouca… fazendo crochê? Putz”.
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Nossa, lava e passa a roupa, bom pai! Imagina que louco se isso fosse algo corriqueiro, né? Homem lavando, passando e cozinhando. E ainda faz crochê, nossa, que desconstruído, não tem medo que questionem a masculinidade, uau!
Aí ele continua, no mesmo tom de piada que só tem graça pra quem está acostumado com o privilégio da bunda morta no sofá:
“Veja que, ao invés de se juntar a nós, homens, facilitando as coisas e buscando ser um alguém do sexo masculino considerado normal, Rodrigo Hilbert dissemina o ódio das mulheres para conosco, afinal, sempre que há uma DR (de lei) o nome dele é citado como um case de sucesso e um exemplo a ser seguido pra vida, ‘Ah, mas o marido da Fernanda Lima é/faz… e blá, blá, blá’”.
Ele ainda tem a pachorra de dizer que “o cara domina todas as artes”. Artes. Não é arte fazer trabalho doméstico não, hein? Inclusive chama “trabalho doméstico” e não “arte doméstica” justamente porque é um trabalho do cão e que todo mundo odeia, mas, se fosse divididinho direitinho, ninguém ia ficar reclamando e fazendo “homens normais” se sentirem diminuídos. Ser normal é ser folgado, né? Eu, hein. Deus me dibre viver achando que fazer o mínimo é heroísmo e digno de nota e inveja.
Possivelmente pra tentar não apanhar tanto, o autor ainda frisa que o “problema” não seria a atividade sendo feita, mas o Rodrigo fazendo a atividade, porque afinal, né, loiro, rico, famoso blablabla. Como se. Como se isso devesse significar alguma coisa positiva. Amigo. Colega. Escuta, e escutem vocês homens, que ficaram choramingando, o que a sua tia tem pra falar: não há nada demais em homem algum fazendo coisa alguma. Vocês todos deveriam, como disse a pensadora Raquel Novaes no Twitter, parar de agir feito o táxi quando surgiu o Uber e melhorar o serviço. Já deu dessa infinita folga de achar que as coisas vão pro lugar sozinhas, que isso ou aquilo é coisa de mulher, e que, por misericórdia, tem que ser loiro e de olho azul pra ser lindo.
Não parem o Rodrigo não, parem vocês com essa folga histórica e elevem esse padrão. Não vai doer, a gente promete. Uma loucinha não dói, fazer uma comidinha não dói. Não sabe? Aprende. Não precisa fazer crochê nem construir uma casa com as próprias mãos, tá? A masculinidade é frágil, eu sei, mas aprender a fazer o que as mulheres fazem e que não é considerado mais do que a obrigação já vai ser um passinho à frente para que vocês sejam caras mais bacanas, empáticos, e olha só, até mais prendados e interessantes, já que consideram a dita beleza do moço, que, não custa lembrar, é absolutamente eurocentrada, um ponto altíssimo. Mulher gosta de amor, respeito e louça lavada. Dos nossos cartões de crédito pode deixar que nós mesmas cuidamos.
Venham para 2017, rapazes. Vocês podem tornar o futuro um lugar bem mais legal para todos nós.