Tessália de Moraes crias colares com cordas e vai lançar em breve um e-commerce. Foto: Mateus Buxel Amor de garrafa: o que começou como um presente personalizado para amigos virou um negócio para Nicole. Foto: Tadeu Vilani Kethyene produz gravatas artesanais há nove anos e celebra a valorização recente do trabalho feito à mão. Foto: Diego Vara Débora fazia artesanato como hobby depois do nascimento dos filhos, Vicente e Raul. Hoje é trabalho em tempo integral. Foto: Bruna Figueiredo
Cauê Fonseca, especial
Há pouco tempo, não mais do que cinco meses, Nicole Feilstrecker fez uma opção. Em vez de dar aos amigos aniversariantes um presente caro e impessoal, passou a oferecer algo especial e personalizado, que demonstrasse que ela havia dedicado tempo àquela pessoa. Aproveitando a caligrafia estilosa, comprou uma caneta corretiva e começou a escrever frases e mensagens de feliz aniversário em garrafas de vidro. Depois, o mimo serviria como vaso de flores.
– Aconteceu que passou a ser o presente mais cobiçado da turma.Minhas amigas calculavam quando fariam aniversário para ganhar as suas garrafinhas. Dali a pouco, começaram a rolar uns pedidos. Alguém via na casa delas e perguntava quem tinha feito, se dava para encomendar, se eu podia fazer uma personalizada com uma frase para alguém que estava no hospital… E a coisa toda foi tomando corpo – conta.
Uma amiga relações-públicas ajudou Nicole a enxergar ali uma oportunidade de negócio, e ela então registrou a empresa Amor de Garrafa, que em seguida ganhou perfis em redes sociais e passou a aceitar encomendas.
Tessália de Moraes, por sua vez, há um ano e meio mantém a Nós, marca de acessórios em corda, exclusivamente via Instagram. Só agora, com um público já conquistado, resolveu apostar em uma loja, ainda que virtual.
– Pode parecer algo planejado, mas a verdade é que o processo foi muito intuitivo. Fui fazendo, foi dando certo e o próprio e-commerce vem da minha percepção pessoal de que já posso dar esse passo – aposta Tessália.
Nicole e Tessália, cada uma a seu modo, fazem parte de um mesmo grupo. São microempreendedores -mulheres, em especial - com talento para o trabalho manual que estudam a melhor forma de surfar na onda do handmade: em bom português, dos produtos feitos à mão, das compras direto de quem faz. Algumas profissionalizam o talento a ponto de viverem exclusivamente disso, enquanto outras lutam para conciliá- lo a uma profissão e, assim, garantir renda paralela.
O número crescente de pequenas marcas que chamam a atenção pela delicadeza e o bom gosto se reflete nas feirinhas por Porto Alegre. Lá estão as grifes, dividindo espaço com foodtrucks e cerveja artesanal.
É fácil perder a conta. No final de semana passado, por exemplo, o bar Petit Dalí, no Bom Fim, recebeu a segunda edição da Gengibre, feira de moda, arte, música e consumo sustentável. Neste sábado, é a vez de a ArqExpress, no Viva Open Mall, receber o segundo bazar The Coolest Thrift Store.
Enquanto isso, a internet ajuda a divulgar e vender os produtos e também a aprimorar os talentos. Nicole, por exemplo, passou a buscar referências de materiais e alternativas para aprimorar a produção.
Substituiu a caneta corretiva por uma de tinta permanente e passou a revestir as garrafinhas com verniz. Também buscou frases descoladas e ideias novas de produtos, como o pote de boas lembranças: um vidro gorducho para guardar cartões de aniversário, bilhetinhos, desenhos dos filhos e outros papéis que merecem espaço mais nobre do que o ostracismo das gavetas.
Hoje, ela atende a eventos (entre um e dois por mês, com cerca de 150 garrafas em cada) e começa a sentir dificuldade para conciliar o trabalho manual e a divulgação dele com as aulas de Direito e o estágio na área.
– Complica porque eu não posso terceirizar, né? É tudo eu.Então, já que, por enquanto não tenho muito tempo pra divulgar, o que faço é fotografar todos os trabalhos e publicar nas redes sociais.Quem gostar vem até mim por mensagem e fazemos negócio – declara Nicole.
O CHARME DO CONSUMO RESPONSÁVEL
A criadora da Amor de Garrafa admite que muito do charme do seu produto vem de uma conjunção de dois comportamentos de consumo recentes: o desejo de exclusividade e o de privilegiar produtos com reaproveitamento de materiais. No caso dela, das garrafas que sobram às centenas de restaurantes, clubes e eventos que se tornaram seus parceiros.
Não deveria ser uma conversa nova. Há 24 anos, na Rio 92, 179 países assinaram um documento chamado Agenda 21 Global. Tratava-se de uma lista de questões urgentes com as quais as nações se comprometeriam em fazer esforços em busca de soluções até a virada do século. O quarto capítulo do documento introduzia o termo " consumo responsável", hoje bastante popular. Ali ficava claro que o crescimento populacional e econômico do planeta era incompatível com os padrões de consumo vigentes.
A expectativa do Ministério do Meio Ambiente é de que, em 2020, 117 milhões de brasileiros façam parte da classe média. Traduza isso para um consumidor propenso a comprar mais roupas, alimentos, celulares, veículos e a conta fecha cada dia menos.
Porém, a conscientização desse problema, na opinião de Kethyene Sperhacke, veio com certo atraso.
Formanda em moda, Kethyene há nove anos é a responsável ao lado da mãe, Cyntia Sperhacke, pela Dressper, marca que confecciona gravatas artesanalmente. A mudança de comportamento do consumidor, segundo ela, veio por volta de 2011. Até ali, pouco se falava e quase nada se ouvia sobre a cadeia produtiva de o que chegava às lojas.
– Foi quando estouraram aqueles casos de lojas de roupas famosas utilizando trabalho escravo. Aí o consumidor começou a se preocupar e também a propagar esse tipo de informação. Essa coisa do feito à mão ser um diferencial charmoso também é recente. Quando começamos, era algo que a gente até dava uma escondida porque era meio bagaceiro (risos) – relembra Kethyene.
De lá pra cá, ganharam força iniciativas como a hashtag #compredequemfaz ou #comprodequemfaz, presentes respectivamente em 91 mil e 66 mil publicações no Instagram para identificar produtos handmade. Aliás, #handmade é uma hashtag presente em 57,5 milhões de fotos. Nada mal para aquilo que já foi "meio bagaceiro", não é?
À PROCURA DE UMA IDENTIDADE
Um problema de quem se aventura no trabalho manual é a criação de uma identidade de marca. Na tentativa de fazer de tudo um pouco, acaba não sabendo a quem agradar. A Dressper, por exemplo, começou sem conhecer direito os donos dos pescoços que ostentavam suas gravatas.
– Eu sabia que queria fazer gravatas, mas não se queria vestir executivos, se queria vestir descolados.
Demorou para entendermos qual era o nosso chão. Há três anos, a marca passou por uma reformulação e enfim escolheu um público: pessoas que desejam uma gravata especial para uma ocasião especial.
Noivos e padrinhos de casamento, por exemplo, podem procurar o atelier da marca para encontrar o acessório dos seus sonhos.
– Nos aproveitamos dessa onda retrô, de casamentos ao ar livre, dos barbudos, do comportamento hipster – declara Kethyene.
A questão passa a ser, então, como vender. Uma dificuldade no caso da Dressper foi a escolha de participar ou não das feirinhas de produtos handmade espalhadas por Porto Alegre nos últimos tempos.
Depois de muito se mobilizar e de nem sempre recolher bons resultados, a marca optou também por segmentar suas participações. Colheu bons frutos, por exemplo, ao expor gravatas e suspensórios na The Distinguished Gentleman's Ride (Passeio dos Cavalheiros Distintos), um evento exclusivo para motoqueiros realizado em 25 de setembro.
– Feiras são boas porque dão exposição a produtos e marcas de gente bacana. Mas é preciso um cuidado para achar o ponto de ir além. No nosso caso, eventualmente participamos, mas preferimos apostar no boca a boca e na capacidade de dar um atendimento personalizado no nosso ateliê.
Kethyene eventualmente ainda atua como VJ em festas para obter uma renda extra, mas a mãe já se dedica integralmente às gravatas há cinco anos, desde que adoeceu por excesso de trabalho sendo enfermeira.
– Há algum tempo, ouvíamos: "Ué, vocês vivem disso?". Ao menos ouvimos cada vez menos.
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A VITRINE ONLINE
O caminho natural indicaria que um produto começa a ser vendido de mão em mão até que o negócio cresce e o proprietário abre uma sede física. A internet propiciou o caminho contrário. Com formação em moda e artes, Tessália de Moraes tentou, depois da graduação, unir-se a amigas e lançar uma marca própria de roupas. As peças, depois, eram comercializadas em uma loja por venda consignada ou diretamente às consumidoras “quando elas descobriam o nosso telefone sabe-se lá como”, conta Tessália:
– Organizamos alguns desfiles e o resultado foi ótimo, mas esbarramos em processos de linha de produção. Não tínhamos costureiras, não tínhamos como e nem onde atender a demanda e acabamos desistindo.
Para uma nova tentativa, preferiu exercer a profissão de forma menos burocrática e em que dependesse “100% dela mesma”. Com a ajuda de referências trazidas da Europa pelo namorado, o artista plástico Tulio Pinto, Tessália chegou às cordas como base para uma linha de acessórios autorais, e montou a Nós no atelier do casal. A marca há um ano se sustenta apenas com um perfil no Instagram e um número de WhatsApp por meio das quais Tessália troca mensagens com interessados nos volumosos e estilosos colares, anéis e afins.
– Nos próximos dias, estamos lançando um site com ferramenta de e- commerce, mas dá até um certo receio, porque a forma como comercializo hoje funciona superbem.
Como tantos que se aventuram em divulgação nas redes sociais, Tessália trabalha na base da tentativa e erro. Alterna estilos de foto – com modelo, ou apenas focado no produto – e horários de postagens. Já reparou, por exemplo, que o fim do horário comercial é um ótimo momento para provocar consumidoras. Também percebe o bom engajamento de hashtags como #slowfashion e #handmade.
Também na base da tentativa, a marca de Débora Ribarski, cujo talento para o bordado tem ligação direta com o nascimento dos dois filhos, Vicente, de seis anos, e Raul, de três. Sem experiência alguma, Débora usou o artesanato como forma de superar uma depressão pós- parto. Deu tão certo, que ela resolveu, para bancar o parto domiciliar do segundo filho, vender roupas de bebê e enfeites infantis.
Nascia a Coloré.
– Nunca fiz curso algum. Comecei a buscar tutoriais pela internet e a fazer os bichinhos sorridentes que hoje são a cara da marca – conta.
Débora, que vive exclusivamente do que produz, também demorou para ajustar os ponteiros da marca.
Terminou abandonando as roupas e focando nos enfeites, com os animais sempre vestidos com roupinhas coloridas sem divisão de gênero. A artesã, que jamais teve uma loja física, comercializa seus produtos, sobretudo, pelo portal Elo7, que reúne artesãs do Brasil inteiro. Hoje, a Coloré tem nos seus 12,9 mil seguidores um público fiel, e conquista uma média de 200 pessoas novas por semana com postagens fofas sempre cedo da manhã ou tarde da noite. Ah, sim, e com a hashtag #compredequemfaz.
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DICAS PARA SUA MARCA BOMBAR NO DIGITAL
Profissionais da área e microeemprendedores reconhecem: há um gap no mercado de um bom curso de marketing digital para o setor. Assim, as pequenas marcas atuam na base da tentativa e erro para conquistar seguidores e público na internet. Donna consultou o diretor de conteúdo da Marke, agência de marketing digital, para dar toques simples para quem está interessada em se aventurar com uma pequena marca na internet. Para um futuro próximo, a agência estuda um curso na área. Até lá, veja as dicas: 1.
1.O SITE AINDA É FUNDAMENTAL
A facilidade em montar um perfil ou uma fanpage nas redes sociais leva muitas marcas hoje a menosprezar o bom e velho site. Ter um site e um domínio próprio é fundamental para que a marca não fique refém da rede social, cuja tendência é cobrar cada vez mais para mostrar marcas, pouco importando o seu número de curtidas. A boa notícia é que já há serviços a preços acessíveis para montá- los.
2.LEVE EM CONTA ASPECTOS TÉCNICOS
Você provavelmente não sabe disso, mas o próprio Google leva em consideração a facilidade da navegação do seu site para mostrá-lo mais ou menos nas buscas. Use, portanto, fotos leves e tenha em vista como ficará a navegação do site em celulares e tablets. Lembre- se de que o computador é cada vez menos usado nas residências.
3. TENHA BOM GOSTO E NOÇÃO
Compare sempre seu site ou seu perfil em redes sociais com a vitrine do seu estabelecimento. Você não exibiria em uma loja produtos feios, vencidos ou fora de catálogo, não é? Portanto capriche nas imagens e mantenha todos os produtos bonitos, atualizados e organizados, para dar vontade de voltar depois.
Você também deve maneirar nas postagens. Exagerar nelas é como encher de panfletos alguém não interessado.
4. CONVERSE COM OS INSATISFEITOS
Da mesma forma que você não expulsa do restaurante quem reclama da comida, você não deleta um comentário negativo. E uma marca sem resenha alguma negativa provoca suspeita do consumidor.
Mantenha ali as reclamações, mas também as suas respostas na tentativa de resolver. Se os comentários forem apenas para denegrir a marca e fugirem do controle, ocultar uma postagem é alternativa melhor do que apagá- la.
5. NÃO DISPENSE AJUDA PROFISSIONAL
Existem táticas para fazer seu site ser mais acessado na internet, as chamadas técnicas de SEO (seach engine optimization, ou otimização das ferramentas de busca). Conforme seu orçamento, vale uma consultoria na área. Da mesma forma, estabelecimentos têm melhor engajamento se produzirem conteúdos relevantes além de apenas venderem produtos. Se você tiver quem produza vídeos legais, faça textos bacanas para um blog e assim por diante, serão mais formas de possíveis consumidores chegarem a seu site ou a seus perfis.