Por Luciana Schmidt Alcover, Especial
Se uma rápida enquete fosse feita entre a população que circula pelas ruas do Brasil sobre os hábitos de consumo, o café certamente figuraria entre uma das principais preferências. Em qualquer uma das regiões do nosso vasto território, é muito comum escutar nas rodas de amigos a frase nos encontramos para um cafezinho qualquer dia desses. Aqui na região Sul, no entanto, o grão divide espaço com a indispensável erva-mate. O hábito do chimarrão migrou do campo para a cidade, tomou conta das ruas e dos parques e foi eternizado nos versos do poeta gaúcho Glaucus Saraiva, personagem importante do tradicionalismo gaúcho, juntamente com Paixão Cortes e Barbosa Lessa: E a seiva forte que eu sinto/ É o sangue de trinta e cinco/ Que volta verde pra mim.
Apesar do gosto pelo mate amargo, os gaúchos também têm sido conquistados pelos aromas e pelos sabores dos chás. A bebida, que é a segunda mais consumida no mundo depois da água, foi descoberta pelos antigos chineses quando uma folha aromática, conta a lenda, caiu dentro da xícara de água fervente do Imperador Shennong. Enquanto bebida social, o hábito do chá data da época da dinastia Tang (618 - 907), na China.
Veja também
Estudos mostram uma série de propriedades terapêuticas ligadas ao consumo dos chás, sendo as mais comuns a melhora do sistema imunológico, a diminuição do risco de doenças cardíacas, o auxílio na prevenção e no tratamento de alguns tipos de câncer e a ligeira redução da pressão alta. Além disso, pesquisas mais aprofundadas apontam, entre as qualidades do chá verde, o combate à diabetes. Como é rico em catequinas, ele auxilia também na redução da gordura corporal, ajuda a diminuir o colesterol e a incidência de formação das cáries. Não é de se estranhar que, com a propagação de tantos benefícios, muitas pessoas tenham se interessado pela bebida e passado a incluí-la no seu dia a dia.
A farmacêutica Sylvia Rodrigues é apaixonada por chás e estudiosa do assunto. Fez especializações no Instituto Palais des Thés, na França, e estudou com a expert inglesa Jane Pettigrew. Ela também é proprietária da casa de chá Teakettle, em São Paulo. Lá os clientes podem aprender um pouco sobre cada planta e encontram uma gama variada de ervas, que vão das tradicionais chinesas, indianas, japonesas e francesas aos blends criados por ela.
— Cada pessoa precisa de um determinado tipo de chá para cada momento da vida — explica Sylvia. — O homem é uma "planta ao contrário". Quando precisamos curar uma dor na cabeça, devemos tomar chá da raiz da planta. Quando temos dor de garganta ou tosse (região respiratória), devemos tomar chá do caule e das folhas, que também fazem a função respiratória das plantas. E, por fim, quando temos dor no estômago e no nosso sistema digestivo, precisamos tomar chá das flores e dos frutos.
No Sul, onde o frio é mais intenso, passou a ser comum, nos últimos anos, ver os gaúchos com uma xícara de chá nas mãos. Para se ter uma ideia da demanda pela bebida, a badalada rede de lojas espanhola Tea Shop escolheu Porto Alegre para servir de sede de sua primeira filial no Brasil.
— Um chá sempre será prazeroso para o nosso corpo, ainda mais nos dias em que a temperatura está baixa. Como somos "corpo calórico", precisamos de calor para a nossa máquina funcionar. Por isso, toda a vez que tomamos um chá quente nos sentimos bem — observa Sylvia.
Com tantas variações no mercado não fica difícil escolher qual o melhor?
— Costumo dizer que todos fazem bem. É preciso escolher aquele que agrada o paladar — acredita.
Apesar de terem composições diferentes, muitos confundem o chá e a infusão. Para compreender melhor a diferença entre eles, precisamos conhecer um pouco mais sobre a matéria-prima do chá. Sylvia explica que todo o chá é Camellia - e são três as espécies dessa mesma planta: Camellia sinensis (China), Camellia assamica (Índia, região de Assam) e a Camellia cambodia (Camboja). As pessoas confundem porque todo o chá é uma infusão, mas nem toda a infusão é um chá.
Quando falamos de infusão, estamos falando das ervas, como a camomila, a erva-doce, o capim-limão e tantas outras. Como a vida inteira escutamos falar "eu quero um chá de camomila" e, em muitas embalagens, vem escrito "chá de camomila", então popularizou-se tudo como chá.
Durante a nossa conversa, Sylvia contou entusiasmada algumas histórias curiosas que envolvem o nosso personagem principal:
— O famoso chá das cinco ficou conhecido porque tempos atrás existia uma Condessa baladeira que vivia no reino. Ela gostava de sair todas as noites e, durante o dia, dormia. Às cinco horas da tarde, começava a ter fome, e, nesse horário, queria comer e encontrar-se com as amigas para conversar e contar o que tinha acontecido na noite anterior. As pessoas comuns passaram a imitar o hábito real e criou-se o chá das cinco — relata.
A hora do chá também é contada pelo personagem do escritor francês Marcel Proust no romance Em Busca do Tempo Perdido. No instante em que toma uma xícara de chá com madeleines, revive a infância e tudo aquilo que estava escondido na memória. Assim como o personagem de Proust, muitos gaúchos rememoraram histórias especiais na companhia de um chá. Alguns dividem com Donna as boas sensações desses momentos.
Degustação em viagens
Neta de chineses, a jornalista Flavia Mu, 28 anos, conviveu desde muito cedo com os variados aromas e sabores dos chás e das infusões. Entre os seus favoritos estão jasmim e camomila. No entanto, é durante as viagens que ela costuma experimentar e trazer muitas novidades. Do Peru, veio o Mate de Coca.
— Quando a gente chega a Cuzco, que tem uma altitude bem elevada, os hotéis servem esse chazinho, pois dizem aliviar a sensação de mal estar — explica.
Da França, trouxe uns copinhos térmicos e algumas variações da bebida. A viagem foi especial, junto com o noivo, o chef Marcelo Schambeck. O casal esteve em Barneville-Carteret, na região da Normandia.
— Enquanto o Marcelo se envolvia com a cozinha do hotel, eu ficava por lá trabalhando, lendo, procurando algo para fazer. O Louis, gerente do hotel, descobriu o meu gosto por chás e de hora em hora aparecia oferecendo uma xícara. Uma delícia!
Flavia Mu usa blusa Nume, casaco Lizáli, calça Renner e bota de acervo
Mala de latinhas
A França foi um cenário marcante para a empresária Christine Gerbauld, 37 anos. Quando mudou-se para lá, aos 18, foi introduzida ao hábito do café, após o almoço, e do chá, à tarde. Com o tempo, o corpo foi rejeitando o café - e ela foi se apaixonando pelo chá.
— Tomava nos cafés em Paris, nas casas dos amigos, no trabalho. Meu predileto segue sendo o verde puro. Nas minhas viagens à França, costumo me abastecer de bons chás, Mariage Frères, de preferência. Em uma das últimas passagens por lá, comprei uns 15 diferentes, em latas de metal. A minha mala estava lotada e fazia barulho, pois as latas batiam muito umas nas outras — relata.
Em Orléans, uma das cidades francesas onde Christine morou, existe um lugar chamado Café Autour de La Terre, um mais impressionantes que ela já conheceu.
— É diferente, é escondido e foi aberto por um fanático por chás e livros. Após entrar na primeira sala, que parecia uma biblioteca, descobri um jardim interno e um cardápio de chás de umas 50 páginas contando a história, a origem e os benefícios de cada um. No final do cardápio, havia páginas para desenhar. Na época, era estudante de artes e achava aquilo simplesmente o máximo. Nunca esquecerei deste lugar.
Christine Gerbauld veste blusa Le Tricot, manta Le Tricot, calça Ton Âge e bota de acervo
Gostinho da infância
A paixão por chás começou na infância para o casal de namorados Georgiana Fauri, 41 anos, e Marcos Pinto Ribeiro, 47 anos, ambos publicitários. Eles contam que o hábito nasceu nos almoços em família.
— Sempre aos sábados, quando tinha almoço, minha avó paterna servia chá preto no meio da tarde. Ela costumava colocar um pouco de leite no chá. E eu, criança, adorava o ritual — recorda Georgiana. Atualmente, o seu sabor preferido é o de Piña Colada, mas sem leite, já que esse hábito ela deixou no passado.
Marcos conta que, tanto na casa da avó quanto na casa da mãe, nunca serviu-se café depois do almoço. Apenas chá.
— Já era praxe: ninguém podia levantar da mesa antes disso — recorda. — Todos os dias, acontecia o tradicional chá da tarde, com bolos e tortas. Isso permanece até hoje na casa da minha mãe e da minha vó, de 94 anos, e é ela quem comanda todo o ritual.
Em outros momentos de suas vidas, a bebida também esteve por perto. Georgiana lembra que , quando estava quase terminando o colégio, pegou recuperação em matemática e teve que fazer aula particular antes da prova no final.
— As aulas eram na casa da minha professora Silvana, que tinha uma pequena plantação de capim-cidró. Então, em todas as aulas, ela oferecia um chazinho para que não ficasse nervosa. Um dia antes da prova, me ofertou um punhado de capim-cidró. Funcionou e eu passei. Até hoje gosto desse chá e, sempre que bebo, lembro dessa história.
Descendente de italianos, Marcos também guarda boas recordações da infância.
— Lembro das minhas primas passando chá no cabelo para ficar mais loiro e também lembro das minhas tias tingindo roupas com o chá naquelas panelas enormes sobre o fogão. Até o vestido de noiva de uma das primas foi tingido. Ainda hoje elas fazem isso — diz.
Georgiana Fauri usa calça Renner, camisa Renner e bota de acervo. Marcos Pinto Ribeiro veste tricô Dufour, calça Brooksfield e sapato de acervo
Momento de prazer
A combinação perfeita para a artista plástica Paula Stein, 30 anos, é simples: um chocolate com pelo menos 70% de cacau e chá verde com gengibre. Essa é a receita que segue quase todas as noites. Paula nunca gostou de café. Por isso começou a tomar chá há cerca de cinco anos.
— Tomo uma xícara todas às noites após o jantar. Como sou muito caseira, acho que relaciono esse hábito com o conforto de já estar em casa, como um ritual de encerramento de mais um dia, e considero que isso também faz com que eu goste tanto do ritual e não abra mão — explica.
Paula é uma pessoa que curte os pequenos prazeres da vida - e o chá é um deles. Por isso, sempre bebe quando precisa relaxar. Foi o que fez em março, quando foi acompanhar o pai em uma cirurgia.
— Fui na cafeteria do hospital e pedi um chá enquanto aguardava. Quando coloquei o saquinho na caneca, vi que no papelzinho, aquele que fica pendurado, dizia "tea time" (hora do chá) e tinha o desenho de um coração. Mesmo estando naquele ambiente hospitalar e um pouco tensa, aquilo me fez relaxar, sorrir e aproveitar meu momento. Deu tudo certo com a cirurgia dele e meu pai está recuperado — comemora.
Paula Stein usa tricô Le Tricot, calça de acervo e bota Perky
Hora do chá
Fique atenta à forma correta de preparar a bebida.
- A água é o veículo universal. Tem de ser de boa procedência (filtrada ou mineral) e a temperatura deve estar entre 70°C e 80°C para uma boa infusão. Se for usar para o chá preto (mais desidratado), é preciso usar água um pouco mais quente, que pode chegar próximo aos 100°C. A temperatura depende de cada folha do chá escolhido.
- Cada chá tem o seu tempo certo de preparo. Para uma infusão de ervas, um minuto ou dois já são suficientes. No chá preto, o tempo pode variar de 3 a 4 minutos de infusão