Você é daqueles que, ao ouvir a palavra vegetariano vai logo fazendo cara feia e imaginando um prato cheio de verduras e legumes sem gosto? Comece então a considerar uma atualização relâmpago nos seus conhecimentos sobre o mundo sem carne. A coisa não é bem assim. Novos chefs e restaurantes badalados ao redor do mundo estão provando que comida sem ingredientes de origem animal não tem nada de insossa ou sem gosto. Pelo contrário. Verdadeiras orgias gastronômicas são possíveis e atenção, carnívoros! inacreditavelmente deliciosas. Basta provar.
O vegetarianismo e, mais radical ainda, o veganismo (quando não há absolutamente nada de origem animal na alimentação) são estilos de vida que existem desde sempre, mas têm ganhado o mundo nos últimos anos. A última grande pesquisa sobre isso feita no Brasil é do final de 2012, quando o Ibope levantou que havia mais de 15 milhões de vegetarianos no país - o que representava cerca de 7% da população brasileira. Este número, hoje, já se estima ser bem maior. O fenômeno não ocorre apenas no Brasil. Números divulgados pela imprensa alemã revelaram que o percentual de adeptos do veganismo havia crescido 800% de 2010 a 2013. O país, na época, já contava com três supermercados que comercializavam exclusivamente produtos veganos - afinal, com tanta gente aderindo à vida sem carne e sem ingredientes de origem animal, era natural que um mercado se erguesse em torno dessa parcela da população.
Chefs adeptos do veganismo também começaram um movimento para desmistificar a comida, mostrando como ela pode ser saborosa e saudável. É o caso da banqueteira carioca Fernanda Capobianco, vegana radical que conquistou as celebridades de Hollywood com seus quitutes totalmente livres de ingredientes animais. Mais recentemente, a chef e apresentadora Bela Gil vem mostrando, em seu programa no canal pago GNT, as inúmeras possibilidades da comida vegetariana sem afetações ou radicalismos, o que aproxima o grande público deste universo.
A adesão a um estilo de vida vegano ocorre, normalmente, por questões ideológicas e pelo ativismo em favor dos direitos dos animais. A abertura de mais e mais restaurantes e o destaque de chefs dedicados exclusivamente à alimentação vegana, no entanto, descortinam este mundo novo também para quem não tem interesse em abandonar a carne, mas gosta de experimentar novos sabores. Aos poucos, o veganismo vai deixando de ser exclusivo para quem está engajado em uma causa para ser domínio de quem, simplesmente, gosta de saborear uma boa comida.
Como no resto do mundo, Porto Alegre também entrou na rota dos restaurantes e bistrôs que estão reinventando o conceito de comida vegetariana e vegana. Já são muitos os lugares em que se pode degustar um prato surpreendente, que foge totalmente do estereótipo "saladinha-sem-gosto". E o melhor de tudo: adeptos do veganismo são apenas uma parte da clientela. A cada dia, mais e mais carnívoros visitam esses locais em busca de uma vivência gastronômica nova e repleta de sensações. Donna visitou dois desses locais e comprovou: comida boa é comida boa, não importa o ingrediente.
Ativismo na cozinha
Abrir um restaurante nunca esteve nos planos do casal Gunter Schwabenland Filho e Roberta Kleber (foto abaixo). O ativismo, por outro lado, sempre foi um ideal em comum. Durante as longas temporadas em que trabalharam como voluntários embarcados nos navios da organização internacional Sea Shepherd, que luta contra a caça de baleias praticada ilegalmente por pesqueiros japoneses, perceberam que os hábitos alimentares da população estavam na origem de muitos problemas - como, justamente, o que eles combatiam no Atlântico Norte.
– Percebemos que estávamos combatendo somente uma ponta da questão. Se não houvesse demanda por carne de baleia, não haveria a caça – afirma Gunter.
Escalada para atuar na cozinha da embarcação, cujo cardápio é exclusivamente vegano, sem nada de origem animal, Roberta foi descobrindo um talento que nem sabia que tinha. As combinações de ingredientes e temperos que fazia agradavam a todos, e cada dia à frente das panelas representava para ela uma nova descoberta.
– Não é muito fácil cozinhar em um navio que fica meses em alto mar. Só temos um mês, mais ou menos, de ingredientes frescos. Depois, é improvisar com o que se tem. Sem contar que tudo balança o tempo todo – revela Roberta, divertindo-se com as lembranças.
Quando Gunter e ela voltaram para Porto Alegre, veio junto uma vontade de praticar um outro tipo de ativismo, que ajudasse a mudar a raiz do problema que ambos combatiam em alto-mar. Foi quando decidiram abrir o La Rouge Bistrô, com a proposta de praticar uma gastronomia requintada e criativa dentro dos preceitos do veganismo.
Enquanto Gunter cuida da administração do negócio, Roberta dedica-se à cozinha. Ela considera uma sorte não ter passado pelos cursos tradicionais de gastronomia e não ter adquirido o que chama de vícios, como o uso de laticínios. Ficou, assim, livre para experimentar ingredientes diferentes, criando sabores inusitados.
Local pequeno e aconchegante, já quebra paradigmas logo na entrada. Com cores vermelhas e uma vaca como logotipo, o La Rouge é uma experiência gastronômica do início ao fim. Quem espera encontrar saladinhas no cardápio surpreende-se com uma macarronada com almôndegas, daquelas bem caprichadas. Os molhos, cremosos e aveludados, cheios de sabor, confundem a cabeça dos incrédulos, que são capazes de jurar que ali tem muito queijo e creme de leite. Para os aficionados por doce, quem resiste a um brownie com calda de frutas vermelhas? Tudo isso totalmente livre de produtos de origem animal.
– Nosso objetivo é combater o preconceito que existe em relação à comida vegana. Queremos mostrar que é possível ter uma comida gostosa e elaborada sem crueldade com animais, para que mais pessoas se encorajem a aderir a este estilo de vida – comenta Roberta.
A estratégia, pelo jeito, tem dado certo. O primeiro evento realizado no restaurante, pouco depois da abertura, há três anos, foi uma festa da família de Roberta - que mora no Interior e é louca por churrasco. Ao final do jantar, ninguém acreditava que se tratava, exclusivamente, de comida vegana, sem nada de carne. O site TripAdvisor já conferiu ao La Rouge um certificado de excelência, em função das avaliações positivas enviadas pelos usuários. Mas é na rotina do restaurante que os dois têm a prova definitiva de que estão no caminho certo.
– Acho que a metade dos nossos clientes não é vegetariana. São pessoas que gostam de comida e vêm experimentar. E a maioria volta – completa Gunter.
Fast food do bem
É possível ser apaixonado por fast food e vegano ao mesmo tempo? Em Porto Alegre, é. Inaugurado em 2014, o B Burguer é a primeira hamburgueria exclusivamente vegana do país. Idealizador do negócio, Rodrigo Bragaglia, de 28 anos, tornou-se vegano há 11 em função do ativismo em favor dos direitos dos animais. Também era um grande fã de hambúrgueres e fast food. Vendo-se sem opções, tratou de aprender ele mesmo a preparar seus lanches com proteína texturizada de soja. Depois que descobriu os segredinhos para saborizar a proteína, começou a fazer sucesso entre os amigos com suas invenções. Ao voltar para Porto Alegre após uma temporada morando em Montevidéu, no Uruguai, pensou que haveria mercado para uma casa de lanches que atendesse aos veganos que, como ele, sonhavam com um bom fast food.
– Eu trabalhava como fotógrafo e não pensava em mudar de ramo. Mas tem sido muito bom, sinto que estou realmente fazendo a diferença para construir um mundo melhor – afirma Rodrigo.
O cardápio, todo criado pelo próprio Rodrigo (cujas cobaias foram os amigos, na sua maioria carnívoros), tem lanches para todos os gostos, com molhos, complementos e extravagâncias, como pede qualquer fã de fast food. Com a diferença de que nada de origem animal entra na cozinha. Como fica localizada em uma região movimentada do bairro Moinhos de Vento, na Capital, a hamburgueria atrai muita gente, especialmente na hora do almoço. No começo, quando olhavam o cardápio e percebiam que se tratava de uma lancheria vegana, muitos comensais iam embora, decepcionados.
– Foi quando eu tive a ideia de distribuir minibúrgueres aos clientes, para que provassem. Assim, eles poderiam comprovar que é bom e esquecer o preconceito. Hoje, metade dos clientes é carnívora, mas adora nossos hambúrgueres.
Com paredes vermelhas, a casa é pequena e aconchegante, como uma boa lanchonete deve ser. Sempre há exposições com fotos de animais feitas por Rodrigo, em parceria com ONGs de defesa. Na entrada, no cardápio e até na porta do banheiro estão cartoon da Lobinha, cadela adotada por Rodrigo e que virou a mascote da casa.
– Espero desmistificar essa história de que comida vegana é ruim e que o vegano só come salada. Isso é bobagem – finaliza Rodrigo.