Os dois formaram-se juntos na faculdade de Direito. Namoravam desde adolescentes e o plano era casar assim que tivessem um emprego que lhes proporcionasse o mínimo de segurança para iniciar uma família. Lia fez concurso público e, estudiosa como sempre foi, passou já na primeira tentativa. Léo nem pensava nesta hipótese. Queria uma vida com adrenalina. Quem sabe juiz ou delegado de polícia... Mas como estudar nunca foi o seu forte, optou pela acomodação do trabalho no escritório de um amigo, pelo menos para começar, ele dizia sempre.
Casaram-se, e nos primeiros tempos tudo ia bem. Acontece que Lia começou a subir na carreira, e em poucos anos já ganhava muito bem, além de ter conquistado o respeito e a admiração dos colegas e superiores. E fazia por merecer todos os elogios. Léo, por outro lado, continuava na mesma - e não era por falta de incentivo da mulher. "Vai atrás dos teus sonhos, tu não querias ser delegado? Estuda e faz o concurso". Não sei quantas vezes escutei Lia dizendo a mesma coisa. Mas Léo sempre inventava uma desculpa para nem ao menos tentar.
O tempo foi passando e a relação dos dois piorava na mesma proporção em que a carreira de Lia deslanchava. Surgiram convites para palestras e reuniões em outras cidades, estados e, depois, no exterior. No início ela até pensou em recusar, para não deixar o marido sozinho em casa. Depois achou que não seria justo com ela mesma, afinal, havia batalhado muito para agora simplesmente desistir de tudo.
Estavam cada vez mais distantes, física e emocionalmente. Léo sentia-se inferior à mulher, e não fazia mais questão de esconder esses ressentimentos. Era muito difícil aceitar que ela ganhava mais dinheiro e tinha muito mais prestígio do que ele. Feria seus princípios de macho dominador da espécie. Lia também estava infeliz, apesar de todo o sucesso profissional, porque não conseguia viver bem com o marido, de quem ela já não sentia mais orgulho. Ele em nada se parecia com aquele jovem idealista e sonhador dos tempos da faculdade. A vida a dois havia se tornado sem graça, porque cada vez tinham menos em comum.
Há pouco mais de um mês decidiram dar um tempo, para colocar os sentimentos em ordem. Não falavam em separação, até porque reconheciam que se amavam, só precisavam saber como lidar melhor com tudo isso. Ontem, vi os dois de mãos dadas em um restaurante, conversando. Sempre apostei que esta história ainda pode ter um final feliz.