Martha Medeiros está em férias e retorna na edição do dia 14 de dezembro.
A família patriarcal pai, mãe e filhos hierarquicamente enfileirados durou tanto tempo menos porque fosse perfeita do que porque não havia muitas alternativas à disposição. Toda a revolução provocada por mulheres e jovens insatisfeitos a partir dos anos 1960 brotou exatamente das muitas rachaduras desse modelo, baseado na milenar regra do manda mais quem pode mais.
Ser apenas dona de casa não era o negócio da China para a maior parte das mulheres, assim como obedecer pais e professores o tempo todo não combinava com a energia anárquica e contestadora dos adolescentes - e vamos combinar que sustentar a casa sozinho também não devia ser bolinho para nossos pais e avós. Ou seja: dependendo do grau de frustração envolvido, famílias em que tudo parecia andar conforme o figurino podiam ser muito infelizes e sufocantes.
Se essa fórmula mais ou menos convencional, testada durante muitas gerações antes da nossa, era um caldeirão de tensões mal resolvidas, os modelos que vieram depois obviamente não instalaram o paraíso sobre a Terra.
Há hoje, claro, mais liberdade para sair do script e inventar novos arranjos familiares, o que é uma novidade muito bem-vinda. Ninguém precisa ficar casado com a mesma pessoa durante 50 anos se não quiser, e filhos fazem sexo quando acham que estão prontos, inclusive dentro da casa dos pais e com a bênção deles - o que é bem melhor, e mais seguro, do que transar no banco de um fuca estacionado numa rua escura. Beleza. Mas a nova família tem lá seus problemas também, e não são poucos. A legislação que obriga os pais a compartilhar a guarda dos filhos depois da sepração endereça um deles: a dificuldade de conciliar os interesses (e mágoas) dos adultos com o que é melhor para as crianças.
Como muitas vezes acontece, esta é uma lei que chega para forçar um tipo de atitude (sensata, racional) que ainda não é a mais comum. Vai demorar algum tempo até que as varas de família fiquem vazias por ausência de tensão na hora do divórcio. A separação é um processo doloroso e difícil, e quem preferia não se separar se sente duplamente traído ao ser obrigado, além de tudo, a abrir mão de parte do tempo dos filhos. Nesses momentos, é preciso convocar todas as energias de bom senso disponíveis para fazer o que é certo e justo - se não para todos os adultos envolvidos, pelo menos para as crianças.
A harmonia ideal talvez não seja mais do que uma linha fictícia no horizonte, mas não podemos abrir mão do esforço de mirar na melhor versão possível de nós mesmos - e das nossas famílias também.