Um casal de amigos está esperando o segundo filho para o começo de março. Eles já têm o Marquinho, hoje com três anos e meio, e agora vem uma menina, a Marcela. Falávamos sobre a educação de filhos, como impor limites, e coisas assim, até que minha amiga cortou o assunto e veio com essa:
? Posso te fazer uma pergunta? Você jura que vai responder com toda a sinceridade, sem rodeios?
Eu respondi que sim, claro, desde que a pergunta fosse razoável.
? Então me diz, sem pensar muito. Você tem um filho preferido?
Eu não demorei um segundo, acho, para responder que não. Óbvio que não. Amo meus deus filhos com a mesma intensidade. E se tivesse 20, os amaria da mesma forma.
Ela pareceu não acreditar, deu um sorriso amarelo e ficou quieta. Aí, foi uma vez de inquiri-la.
? Por que você me perguntou isso? O que está te deixando insegura?
Minha amiga olhou para o marido, ele fez que sim com a cabeça, e ela abriu o coração:
? É que nós estamos com muito medo de não amar a criança que está chegando do mesmo jeito que amamos o Marquinho. Sei lá, é uma sensação estranha, mas nos parece impossível amar mais alguém com tanta intensidade. Será que cabe tanto amor assim no coração de uma mãe e de um pai?
Eu sorri, peguei a mão deles, e disse, com toda a certeza do mundo:
? Cabe sim. Fiquem tranquilos. Esse tipo de medo é comum, porque a gente gosta tanto, mas tanto do filho que parece que nunca mais amaremos outra pessoa tanto assim. Até que vem o segundo, e ele ocupa o mesmo espaço no coração e no pensamento. E se vierem outros, vão caber também, não tenho a menor dúvida disso.
A conversa, depois disso, ficou mais leve. Meu amigo comentou que o irmão dele tem três filhos, mas que ele parece gostar mais da menina, a primogênita.
? Eu noto que ele fala mais da filha, tem orgulho de tudo o que ela faz, está sempre grudado com ela. Já com os meninos, gêmeos, ele não é assim. Esse é o meu medo, gostar mais do Marquinho do que da maninha que vai nascer.
Ah, entendi. Mas, daí, já não estamos mais falando de amor. Isso é afinidade. Na psicologia, a distinção é bem clara. Ter mais afinidade com o filho do que com outro é natural. Amar mais um filho do que o outro, não. O pai pode ter mais afinidades com a filha porque ela gosta das mesmas coisas que ele - no caso do irmão do meu amigo, a menina e o pai adoram jogar xadrez, cozinhar e cuidar do jardim. Já os meninos gêmeos só curtem futebol e videogame. É natural, então, que o pai fale mais da filha e se orgulhe dela. Mas isto em nenhum momento significa que ele ame mais a garota do que os meninos. Ou, pelo menos, não deveria significar.
Quando me perguntam sobreo meu filho preferido, eu sempre cito trechos de um texto, do qual desconheço a autoria, que, apesar de muito reproduzido e já bastante antigo, é sempre atual:
"Nada é mais volúvel que um coração de mãe. O filho dileto, o que mais amo, é aquele a quem me dedico de corpo e alma. É o meu filho doente, até que sare. O que partiu, até que volte. O que está cansado, até que descanse. O que está com fome, até que se alimente. O que está com sede, até que beba. O que está estudando, até que aprenda. O que está nu, até que se vista. O que não trabalha, até que se empregue. O que namora, até que se case. O que casa, até que conviva. O que é pai, até que os crie. O que prometeu, até que cumpra. O que deve, até que pague. O que chora, até que se cale. O que já me deixou, até que eu o reencontre. Amo a todos por igual, intensamente. O preferido é aquele que, no momento, está precisando de maior carinho e atenção."