"Um dia a gente ainda vai rir disso tudo." Cada vez que passo por um aperto, principalmente em viagens, penso nesta frase. Algumas situações são realmente irritantes na hora que acontecem, mas depois chego até a achar graça destas roubadas. Isso já aconteceu várias vezes comigo. Nas últimas férias, por exemplo.
Depois de passar vários dias pensando aonde ir ? o que está intimamente ligado à grana disponível ? decidimos pelo Peru. Li todos os guias de viagem que me chegaram às mãos, porque gosto de planejar a viagem e conhecer pelo menos o básico da história do lugar para onde estou indo. Lima, Lago Titicaca, Cuzco e... Machu Picchu, a cidadela perdida dos Incas! Só de me imaginar contemplando as ruínas, lá de cima das montanhas, um frio de excitação me percorria a espinha.
O problema é que Machu Picchu não é logo ali, dobrando a esquina, ou pegando o primeiro avião no aeroporto mais próximo. É um pouco mais complexo.
Só se chega a MP saindo de Cuzco. Durante uma época do ano os trens saem de Cuzco direto para Águas Calientes, uma cidadezinha aos pés de MP, mas nós viajamos justamente numa época em que a primeira metade do trajeto estava fechada para a passagem dos trens. Precisaríamos pegar uma van até a cidade de Ollantaytambo e, de lá, o trem até Águas Calientes, para então tomar um ônibus até o alto das montanhas, já na entrada da cidade perdida. Ufa!
Decidimos comprar o pacote inteiro do passeio a MP em uma agência de viagens de Cuzco, para simplificar nossa vida. Passamos em várias agências para avaliar preços e condições. Não ficamos nem com a mais cara (por motivos óbvios) nem com a mais barata, porque desconfiamos da qualidade. Optamos por uma intermediária, que parecia honesta.
Pacote fechado, o dono da agência avisou:
? As quatro e meia da madrugada um transporte irá pegar vocês na portaria do hotel, para levar até Ollantaytambo. Lá, o guia os acompanhará até o trem. Quando chegarem a Águas Cali entes, haverá ônibus de 20 em 20 minutos para subir até Machu Picchu. Na volta será feito o mesmo esquema.
Perfeição. Dormimos cedo, para aguentar o pique do dia seguinte. Pouco depois das 4 da madrugada já aguardávamos ansiosos, no hall do hotel. Perto das cinco, ainda noite escura, chega um homem com uma cara emburrada e nos coloca numa van, velha, caindo aos pedaços. Quando ele abriu a porta, quase caí dura: havia pelo menos umas 15 pessoas lá dentro, amontoadas e cheias de sacolas e mochilas. Sobrava para nós dois assentos, sendo que o meu não tinha sequer encosto para as costas. Pensei: calma, são só 60 quilômetros. Só? Foi uma eternidade, isso sim. Mais de duas horas dentro daquele veículo ? se é que se pode chamar assim ? com todos os vidros fechados por causa do frio, e uma uma moça ao meu lado mascando chicletes de boca aberta. Pior: o tal motorista/guia antipático sintonizou uma rádio que só tocava músicas melancólicas, daquelas tipo "dor de corno", e colocou pra todo mundo ouvir. Pior ainda: ele dirigia mal pra burro, e a estrada era sinuosa e perigosa.
Eu ficava me perguntando o que estávamos fazendo ali, a quase 3 mil metros de altitude, no meio do nada, dentro daquela van barulhenta, com um monte de gente estranha e um motorista com jeito de louco...
Ele nos deixou na estação ferroviária e tomamos o trem para Águas Calientes. A partir daí, comecei a me achar uma turista novamente. O dia em Machu Picchu foi lindo, claro, e compensou o sacrifício . Na volta para Cuzco, já noite alta, dispensamos a van e o tal motorista. Gastamos o que tínhamos um táxi, mas preservamos nossa saúde física e mental.